Ações diretas de inconstitucionalidade

Contracepção de emergência: nova pauta do judiciário brasileiro
RESUMO: O presente artigo versa sobre a legalidade da distribuição dos contraceptivos de emergência no Brasil. São analisadas decisões judiciais que restringem a distribuição do medicamento, por considerá-lo abortivo, bem como apontadas referências legais que prevêem seu uso enquanto método contraceptivo. Conclui-se que o acesso a estes medicamentos é um direito e que não há de amparo legal para tal restrição. Palavras-chave: contraceptivos de emergência; direitos reprodutivos; planejamento familiar; ABSTRACT: This article is about the legality of the distribution of emergency contraception in Brazil. Are analyzed court decisions that restrict the distribution of this medicine, considering it abortive, and also presented the legal references that recommend it as a contraceptive method. It is concluded that the access to these medicine sets as a right and there is no legal support for this restriction. Keywords: emergency contreceptives, reproductive rights, family planning, abortion; laicism 1. Introdução
Este artigo versa sobre discussão acerca da legalidade ou não da distribuição e comercialização dos chamados contraceptivos de emergência, também conhecidos como O assunto contracepção de emergência foi abordado na pesquisa Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros que teve como um de seus principais eixos investigar quais temáticas 1 O presente artigo é resultado do desdobramento um dos temas abordados na pesquisa “Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros”. * Socióloga pela Fundação Santo André, pesquisadora da Comissão de Cidadania e Reprodução e membro do CLADEM/Brasil. ** Advogada graduada pela PUC SP, mestranda em Direitos Humanos pela USP, membro do CLADEM/Brasil e do NEMGE/USP. 2 GONÇALVES, Tamara Amoroso; LAPA, Thaís de Souza (2008). relacionadas ao aborto são levadas tanto aos tribunais estaduais - Tribunais de Justiça – quanto aos superiores - Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, bem como verificar, nos casos encontrados, a existência ou não de influência religiosa ou feminista nas decisões proferidas pelos magistrados - em conteúdos argumentativos ou através participação direta de representantes destes grupos sociais. Desta maneira, verificou-se que no período pesquisado – casos julgados entre 2001 e 2006 - a contracepção de emergência foi um dos temas relacionados a aborto levado aos tribunais. Além disso, foi identificada a interferência de argumentações religiosas no conteúdo da maioria destes casos. Eram, em sua maioria, ações diretas de inconstitucionalidade, casos em que eram propostas ações declaratórias de inconstitucionalidade para contestar, face às constituições estaduais, legislações municipais referentes à distribuição de medicamentos contraceptivos de emergência pelos serviços públicos de saúde. A temática do aborto tem gerado grandes polêmicas ao redor do mundo, e no caso do Brasil em especial, país de forte tradição católica, a controvérsia é bastante intensa. Dentro deste debate, percebe-se que os setores contrários ao aborto, principalmente os mais conservadores, que em geral são também religiosos, tem incorporado a contracepção de emergência à lista de práticas às quais se opõem, enquadrando-a como um método abortivo – embora diversas referências científicas atestem o contrário. Esta tem sido a principal motivação para estes grupos ou indivíduos alinhados a estes posicionamentos mais conservadores se lançarem no judiciário no intuito de restringir ou mesmo impedir a distribuição destes medicamentos: tratá-los como um método abortivo, prática considerada crime, em geral, no Brasil (excetuam-se apenas os permissivos legais do artigo 128 do Código Vale ressaltar que o interesse de investigação sobre a interferência ou não de argumentos religiosos em decisões judiciais embasa-se em previsão constitucional, conforme o artigo 19, inciso I da Magna Carta, de que o Brasil é um Estado Laico, com separação entre Igreja e Estado definida constitucionalmente. Isto significa que, não obstante o laicismo estatal constitua garantia fundamental como sustentáculo do direito ao livre exercício da religião, os representantes estatais, notadamente os juízes, não devem fundamentar suas decisões judiciais em seus valores morais íntimos ou convicções religiosas. Isto não impede que os diversos grupos sociais tenham direito a se manifestarem no espaço público, inclusive através de seus parlamentares eleitos, sem, contudo, que isso se confunda com a atuação do Estado: esta não deve se pautar pelos valores morais de nenhuma religião. Se o fizer, estará privilegiando uma religião específica em detrimento das demais e impondo-a aos cidadãos Por outro lado, nota-se que os setores favoráveis ao acesso à contracepção de emergência muitas vezes são os mesmos favoráveis à legalização do aborto, entendendo-os como partes constituintes de um mesmo conjunto de direitos reprodutivos a serem defendidos enquanto direitos humanos da mulher, tanto no aspecto do acesso à saúde quando na garantia de sua autonomia reprodutiva. A defesa da distribuição dos contraceptivos de emergência apareceu também no judiciário, como forma de exercer o direito ao planejamento familiar. 2. O que são contraceptivos de emergência?
São medicamentos que previnem a gravidez de forma diferenciada. Enquanto os outros atuam antes ou durante a relação sexual, os contraceptivos de emergência podem evitar a gravidez após a relação sexual. Contudo, são recomendados para situações de exceção. De acordo com cartilha do Ministério da Saúde: (.) utiliza compostos hormonais concentrados e por curto período de tempo, nos dias seguintes da relação sexual. Diferente de outros métodos anticonceptivos, a AE tem indicação reservada a situações especiais ou de exceção, com o objetivo de prevenir gravidez inoportuna ou indesejada. O caráter excepcional do uso é reforçado em Norma técnica de Assistência ao (.) a anticoncepção de emergência (Pílula Pós-Coital, Intercepção, Contragestão, etc.) é uma metodologia anticonceptiva alternativa de caráter exepcional, para utilização em situações de emergência. Portanto, constitui uma situação especial de uso dos anticoncepcionais hormonais orais já registrados comercializados no Brasil, ainda que seja importante enfatizarmos a inconveniência da habitualidade do uso da Atenta-se, ainda, a inconveniência da habitualidade e as condições de máxima eficácia, como A AE apresenta, em média, Índice de Efetividade de 75%. (.) No entanto, é necessário lembrar que o uso repetitivo ou freqüente da AE compromete sua eficácia, que será sempre menor do que aquela obtida com o uso regular do método anticonceptivo de rotina. (.) a AE dev[e] ser administrada tão rápido quanto
possível e, preferentemente, em dose única dentro dos cinco dias que sucedem a
relação sexual.
São consideradas de caráter excepcional, ou seja, situações nas quais o medicamento é - Relação sexual não planejada (comum em adolescentes) - Uso inadequado do método anticoncepcional 3. Contraceptivos de emergência são medicamentos abortivos?
Uma questão para a qual vale a pena atentar-se é a recorrente alegação, feita inclusive por alguns do campo médico, de que os contraceptivos de emergência seriam abortivos. Sobre este tipo de afirmação, o Mistério da Saúde assevera, em documento de 2005: Não existe nenhuma sustentação científica para afirmar que a AE [anticoncepção de emergência] seja método que resulte em aborto, nem mesmo em percentual pequeno de casos. As pesquisas asseguram que os mecanismos de ação da AE evitam ou retardam a ovulação, ou impedem a migração dos espermatozóides. Não há encontro entre os gametas masculino e feminino e, portanto, não ocorre a fecundação. A diminuição progressiva da efetividade da AE, conforme transcorre o tempo a partir da relação sexual, e a incapacidade de produzir sangramento imediato ou em caso de gravidez são demonstrações simples, mas evidentes, de que a AE é capaz de evitar a gravidez, nunca de interrompê-la. A AE impede a fecundação e não há indicadores de que ela atue após esse evento. Este fato deveria ser suficiente para estabelecer, claramente, a ausência de efeito abortivo. Sendo assim, as informações que tem sido veiculadas sobre o caráter abortivo seriam errôneas, sem nenhum respaldo científico: 5 MINISTÉRIO da Saúde. (2005; p.10) 6 MINISTÉRIO DA SAÚDE. (1996) 7 MINISTÉRIO da Saúde. (2005; p.13) (.) conceitos cientificamente incorretos e mitos foram construídos sobre o mecanismo de ação da AE [anticoncepção de emergência], dando margem a que se levante, equivocadamente, a hipótese de efeito abortivo. (.) A revisão das pesquisas científicas permite afirmar, sem reserva de dúvida, que a AE não atua após a fecundação e não impede a implantação, caso a fecundação ocorra. Este medicamento, além de não ser abortivo, não causaria, ao contrário do que usualmente se afirma, prejuízos a saúde da mulher: De acordo com o médico Aníbal Faúndes, a pílula não causa prejuízos à saúde e não provoca aborto. “Se o óvulo já tiver sido fecundado ou se já estiver pronto para ser fecundado, o medicamento não dá efeito. Ele deve ser ingerido antes disso e, portanto, não poderia provocar um aborto”’, garantiu. “Aliás, o medicamento impede que haja fecundação e impede que a pessoa, mais para frente, vá em busca de fazer um aborto porque não deseja a criança”, defendeu. Assim, pode-se diferenciar, então, um medicamento abortivo de um contraceptivo de Identifiquemos claramente uma diferença dessa metodologia com o abortamento eletivo. No abortamento eletivo visa-se especificamente a interrupção do processo gestacional enquanto na anticoncepção de emergência espera-se a alteração da fenomenologia reprodutiva. A própria conceituação caracteriza a anticoncepção de emergência como um procedimento de caráter excepcional e de aplicação 4. Distribuição dos contraceptivos de emergência
Os contraceptivos de emergência começaram a ser utilizados como forma de prevenção da gravidez resultante de estupro. Sua origem data da década de 70: A contracepção de emergência, feita à base de pílulas de progestogênio oral, começou a ser estudada em 1970 por Albert Yuzpe (WHO, 1998) e, logo em seguida, foi sendo disponibilizada no mercado: em 1970 na Hungria, em 1980 na China, em 1984 na Suécia. Portanto, é um método que pela sua longevidade, já poderia estar incluído nas diretrizes políticas de Planejamento Familiar das décadas 8 Idem, Ibidem. 9 JORNAL de Jundiaí digital. (2008) 10 MINISTÉRIO da Saúde (1996) de 70 e 80. Apesar disso, permaneceu difundido no Brasil, apenas entre alguns setores do movimento de mulheres e profissionais de ginecologia (.) Assim, apesar das pesquisas e difusão do medicamento já ocorrerem em outros países, no Brasil sua distribuição e uso ficaram, nos primeiros anos, adstritos a casos de violência O medicamento passa a ser regulamentado para uso em ações de Planejamento Familiar pelo Ministério da Saúde somente em 1996; em 1998 é editada uma norma técnica do mesmo órgão para seu uso em Serviços de Atendimento à Vítimas de Violência (estupro). Em 1998 sua comercialização foi autorizada pela Vigilância Sanitária em grande escala e permitida a venda em farmácias de todo o Brasil. Em 2000, o Ministério da Saúde inicia suas primeiras aquisições, enviadas aos Serviços de Atendimento à Vítimas de Violência; já em 2002 são compradas as primeiras doses para Unidades Básicas de Saúde, ou seja, o medicamento distribuído nos serviços públicos de saúde deixam de ser adstritos às vítimas de estupro, porém chegam apenas para alguns municípios. De acordo com Regina Figueiredo: O Ministério da Saúde passou a tentar incorporar a contracepção de emergência aos métodos contraceptivos disponibilizados a partir de 2000, dentro de uma estratégia de incentivo, aquisição e ampliação de ofertas de métodos reversíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de reduzir o número de laqueaduras tubárias no país. De 2000 a 2001, iniciou-se a licitação, compra e distribuição de lotes de contraceptivos definidos por esta política. A contracepção de emergência não pôde ser inclusa nesta distribuição bienal por motivo de atraso na entrega do produto, após licitação e compra, por isso apenas foram entregues às secretarias estaduais de saúde (que por sua vez, repassaram aos seus municípios) e secretarias municipais de saúde das capitais, um total de: 6.210.600 cartelas de pílula combinada de baixa dosagem (mini-pílula), 582.300 ampolas de acetato de medroxiprogesterona (injetável trimestral), 158.000 unidades de DIU Tcu 380-A e 30.000 unidades de diafragma. A distribuição da contracepção de emergência se efetivou em 2002, quando foram distribuídas cerca de 100.000 doses para aproximadamente 439 municípios e 59 serviços de referência em atenção às mulheres vítimas de violência 11 FIGUEIREDO, Regina. (2004). 12 FIGUEIREDO, Regina. (2004). Finalmente em 2005, a oferta do método é expandida na rede básica de saúde, através do seu envio à quase totalidade dos municípios brasileiros.”Vale observar que é também no ano de 2005 que são editadas diversas cartilhas do Ministério Público com informações e recomendações para os profissionais de saúde, com temas relativos à saúde reprodutiva da mulher, nas quais recomendava-se o uso dos contraceptivos de emergência. Contudo, devido a distribuição dos medicamentos encaminhados pelo Ministério da Saúde ser de responsabilidade dos municípios, notou-se que vêm ocorrendo ingerências na da recusa da distribuição do método para determinados públicos (principalmente adolescentes), da não-distribuição em unidades básicas de saúde, da falta de divulgação de sua disponibilidade para a população e, até mesmo, pela recusa formal em disponibilizá-lo (devido a posicionamentos pessoais e morais de gestores, profissionais de saúde ou por pressão de grupos conservadores organizados nas diversas regiões, principalmente ligados a alguma religião). Identifica-se aqui o eixo das discussões que têm sido levadas ao judiciário durante o período no qual foi realizada a pesquisa Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros – 2001 a 2006. Embora o Ministério da Saúde envie os medicamentos aos municípios, muitos vetam parcial ou totalmente sua distribuição. E qual principal a argumentação identificada para sustentar para tal posicionamento? A afirmação de que tratam-se de medicamentos abortivos, atentatórios contra a vida humana e, portanto, ilegais. 5. A polêmica acerca da distribuição
5.1. O posicionamento religioso
Assim que a autorização da distribuição do medicamento em farmácias e no sistema público de saúde de saúde foram concedidas, imediatamente geraram polêmica na sociedade, em especial entre os setores mais conservadores. Isso porque tais grupos, não raro, condenam, inclusive, o uso de quaisquer métodos contraceptivos. A Igreja Católica assume um papel importante neste debate. Esta instituição por muito tempo defendeu a prática sexual com finalidade única de reprodução — razão principal para 13 REDE Brasileira de Promoção de Informação e Disponibilização de Contracepção de Emergência¹. (s/d) 14 REDE Brasileira de Promoção de Informação e Disponibilização de Contracepção de Emergência². (s/d) que não seja permitido o uso de nenhum método contraceptivo. Somente a partir da década de 60 passou a posicionar-se no sentido de que o exercício da sexualidade não teria apenas fins reprodutivos, mas também serviria para a manutenção da união do casal. Mesmo diante desta nova concepção, a Igreja manteve seu posicionamento em relação à contracepção. Após considerável debate interno, “o papado aceitou apenas os ‘métodos naturais’ de contracepção, baseados na abstinência sexual periódica durante o período fértil da mulher”. Com isso, tem-se que a hierarquia da Igreja Católica condena, até os dias atuais, o uso de quaisquer métodos contraceptivos, excetuando-se apenas os supramencionados. Mesmo entre os evangélicos que, em geral, apresentam-se como mais flexíveis em relação aos direitos reprodutivos da mulher que os católicos, encontram-se representantes dispostos a combater os contraceptivos de emergência. A principal base de argumentações nos casos relativos ao tema encontrados no judiciário para contestar tal distribuição foi a defesa da vida do feto desde a concepção, encarando os contraceptivos de emergência como métodos abortivos, portanto, homicidas. 5.2. Contracepção de emergência como um direito à autonomia reprodutiva, à saúde e
ao planejamento familiar
Em contrapartida, os grupos feministas apoiaram amplamente essas iniciativas, reputando-as como fundamentais para o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. Neste contexto, a distribuição dos medicamentos constituiu um importante passo para a completa implementação de políticas públicas de planejamento familiar e garantia de saúde reprodutiva. Os direitos sexuais e reprodutivos vem sendo cada vez mais amplamente defendidos, e constam tanto em tratados internacionais de direitos humanos adotados pelo Brasil quanto na O primeiro documento internacional a declarar os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos foi a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo, em 1994, da qual participaram 184 países. Indica o seu princípio 4 que: Promover a eqüidade e a igualdade dos sexos e os direitos da mulher, eliminar todo tipo de violência contra a mulher e garantir que seja ela quem controle sua própria fecundidade são a pedra angular dos programas de população e desenvolvimento. Os 15 FAÚNDES, Aníbal & BARZELATTO, José. (2004; p. 133) 16 Cabe como exemplo uma das audiências públicas sobre interrupção da gestação de anencéfalos realizada no STF em 2008. Ver: FOLHA de São Paulo digital. (26 ago. 2008) direitos humanos da mulher, das meninas e jovens fazem parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. A plena participação da mulher em igualdade de condições na vida civil, cultural, econômica, política e social em nível nacional, regional e internacional e a erradicação de todas as formas de discriminação por razões do sexo são objetivos prioritários da comunidade O Brasil é um dos países que adota este tratado: assume, assim, a responsabilidade tanto de não interferir na autonomia sexual reprodutiva da mulher, garantindo que ela controle sua própria fecundidade, quanto de promover condições para o exercício desta autonomia, através de à políticas públicas de saúde e educação sexual. Portanto, a distribuição de medicamentos que previnam a gravidez indesejada integram, sem dúvida alguma, esta recomendação ao Estado Além disso, o próprio Estado brasileiro determina, na Constituição de 88, o direito à saúde como um dever do Estado e o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e Artigo 226, § 7º:
Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas Já a lei de Planejamento Familiar 9.623, editada em 1996, regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, abordando o tema de maneira mais específica: Art. 3º O planejamento familiar é parte integrante do conjunto de ações de atenção à mulher, ao homem ou ao casal, dentro de uma visão de atendimento global e integral à saúde. Parágrafo único - As instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde, em todos os
seus níveis, na prestação das ações previstas no caput, obrigam-se a garantir, em
toda a sua rede de serviços, no que respeita a atenção à mulher, ao homem ou ao
casal, programa de atenção integral à saúde, em todos os seus ciclos vitais, que
inclua, como atividades básicas, entre outras:
I - a assistência à concepção e contracepção; (.) Observe-se que a contracepção mencionada literalmente como um dos direitos que integram o planejamento familiar. Este direito é um dever do Estado, que deve promover todas as condições para que seja efetiva e qualitativamente exercido: Art. 5º - É dever do Estado, através do Sistema Único de Saúde, em associação, no que couber, às instâncias componentes do sistema educacional, promover condições e recursos informativos, educacionais, técnicos e científicos que assegurem o livre exercício do planejamento familiar. (.) Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção. Expostos os fundamentos legais que garantem o acesso aos métodos contraceptivos, incluídos os contraceptivos de emergência, enquanto um direito reprodutivo, à saúde e ao planejamento familiar, seguiremos com alguns exemplos de como o assunto contracepção de emergência tem sido tratado no judiciário, no que se refere à relação ao tema aborto. 6. Contracepção de emergência nos tribunais brasileiros (2001 a 2006)
Ante a tensão estabelecida entre estes dois ativos grupos sociais – religiosos e feministas, iniciou-se uma verdadeira batalha judicial em diversos estados, em que os grupos conservadores passaram a ingressar com ações perante os tribunais, contestando as legislações que previam a distribuição dos medicamentos. Foram encontrados, no escopo da pesquisa Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros, seis casos de contestação às legislações municipais que previam a distribuição gratuita de contraceptivos de emergência. Embora apenas uma destas medidas tenha sido proposta por uma pessoa identificada como representante de grupo religioso, a argumentação combativa à política pública levantava, em geral, a bandeira de que se tratavam de medicamentos abortivos e, portanto, atentatórios ao direito à vida do feto – argumento equivalente ao utilizado por grupos religiosos. No mérito dos acórdãos, abordou-se a possibilidade desses medicamentos serem ou não distribuídos pelos municípios, havendo dois posicionamentos antagonizando-se: uns reivindicavam que estes medicamentos estão ligados ao direito de acesso a meios para o exercício da liberdade reprodutiva, com controle sobre realização de planejamento familiar, enquanto outros consideravam que sua distribuição significava permitir a circulação de um medicamento abortivo, o que seria ilegal de acordo com os parâmetros jurídicos brasileiros. 6.1. Exemplos de casos ligando a contracepção de emergência ao aborto no judiciário
Os casos da pesquisa “Aborto e Religião nos Tribunais Brasileiros” relacionados à contracepção de emergência representaram baixo percentual em relação à amostragem geral pesquisada, correspondendo a 1% do total. Entretanto, concentraram discussões relevantes acerca da legalidade da distribuição dos contraceptivos de emergência nos municípios, e do caráter abortivo ou não destes medicamentos, figurando assim como nova pauta para o judiciário brasileiro. Seguem, abaixo, alguns dos resultados deste mapeamento: Distribuídos por tribunais, estes casos concentram-se apenas em São Paulo (5) e Rio de Janeiro (1). Cinco deles foram julgados em 2006, apenas um em 2005. Uma hipótese para tal ocorrência, ao menos para parte dos casos, é a de que os contraceptivos de emergência só começam a ser distribuídos em grande escala, abrangendo quase que a totalidade dos municípios brasileiros, no anos de 2005. Simultaneamente à distribuição dos medicamentos, o Ministério da Saúde circulou, também em 2005, cartilhas para os profissionais de saúde recomendando a utilização do medicamento. Assim, é possível que tais casos sejam uma Os instrumentos jurídicos utilizados para levar casos de contestação de distribuição de contraceptivos de emergência aos tribunais foram a ação direta de inconstitucionalidade (83%) e o agravo (17%). Como o agravo tem função de contestar apenas decisões interlocutórias, pode-se dizer que as grandes discussões de mérito estão adstritas às ações 19 As ações declaratórias de inconstitucionalidade servem a provocar um tribunal para que este declare uma lei inconstitucional, ou seja, contrária aos preceitos da Constituição Federal. Inserem-se no campo do chamado “controle concentrado de constitucionalidade” e podem ser propostas tanto perante os tribunais estaduais — para contestar leis municipais ou estaduais —, como perante o STF — para contestar leis estaduais ou federais. a) Análise quantitativa conteúdo argumentativo das decisões proferidas pelos tribunais
Entre os casos analisados, verificou-se que 67% continham argumentação em defesa do direito à vida como absoluto. No caso, propugnava-se pela defesa incondicional à vida do que entendia-se enquanto feto, isto é, alegava-se que o contraceptivo de emergência impediria a continuidade de uma vida já concebida. Um dos casos deste espaço amostral — o que corresponde ao percentual de 17% — contou com a participação de representantes de grupos religiosos. Não foi identificada a menção expressa de conteúdos de doutrinas religiosas nos acórdãos, nem a presença de argumentação em defesa dos direitos das mulheres ou a participação de grupos feministas nos casos analisados. b) Análise qualitativa do conteúdo argumentativo das decisões proferidas pelos tribunais
Um dos casos, originado no município de São José dos Campos, veio a contestar legislação que proibia a venda de contraceptivos de emergência. A discussão no acórdão concentrou-se mais em questões de competência legislativa do que nos direitos sexuais e reprodutivos ou à vida dos fetos. Neste caso, um dos magistrados, que votou pela procedência da ação, declarando inconstitucional a lei, declarou que: Não cabe aqui discutir sobre o núcleo da política governamental referente à distribuição ou não de anticoncepcionais ou contraceptivos. Impõe-se, em respeito, às candentes e sensíveis motivações do Desembargador Barreto Fonseca, anotar que o debate deve alcançar amplitude nacional. Não se justifica admitir que se desenrole, autonomamente, em cada célula municipal, com resultados setorializados e discrepantes, o que atentará contra a segurança da saúde pública desestabilizando a implantação política desse serviço e nem mesmo beneficiará a posição daqueles favoráveis à vedação, porque sempre possibilitaria a busca desses medicamentos nos locais em que a concessão fosse viabilizada. Em oposição, o desembargador com voto divergente assim se colocou: 20 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade n° 122.675 (2006). É que a proibição da distribuição de micro-abortivos, a que o Ministério da Saúde não tem a coragem de chamar pelo nome adequado e que, covarde e eufemisticamente chama de anticoncepcionais de emergência, nada tem a ver com previdência social e defesa da saúde (inciso XII do caput do artigo 24 da Constituição da República), mas é, isso sim, uma agressão à vida, na linha da cultura da morte, que, infelizmente, e contra o disposto no caput do artigo 5°, inciso III do caput do artigo 1°, incisos III e IV do artigo 3°, inciso II do artigo 4° e no artigo 196, todos da Constituição da República, começa a imperar também aqui. (.) A Lei municipal de São José dos Campos n° 6.800, dos 12 de maio de 2005, não invadiu, por isso mesmo, competência do Prefeito, nos termos do § 2° do artigo 24, em combinação com o artigo 144, ambos da Constituição Paulista. Não é privativo do Prefeito legislar sobre aborto, ainda que com o nome de anticoncepção de A vida, não custa lembrar, começa com a fecundação do óvulo, ao ser penetrado pelo espermatozóide. Com o ovo, já há vida nora, com outras características Ainda que a personalidade só comece com o nascimento com vida, a vida é protegida desde o seu início (caput do artigo 5° da Constituição da República e inciso I do artigo 4° do Pacto de São José da Costa Rica, mandado observar no Brasil pelo Decreto n° 678, dos 6 de novembro de 1992, na forma do § 2° do artigo Em ação originada em Jacareí, contesta-se a legislação que proíbe a distribuição dos contraceptivos de emergência. No caso, não foram levantados argumentos de direitos sexuais e reprodutivos, embora a lei tenha sido declarada inconstitucional. O fundamento para a tomada desta decisão foi a ofensa à tripartição de poderes, conforme pode-se notar. No caso, criando obrigações a serem cumpridas na forma que regulamentada na lei, a Câmara Municipal invadiu a órbita de competência do chefe do Executivo local, estando, portanto, eivada de inconstitucionalidade por ofensa a preceitos contidos na Com efeito, a lei impugnada interfere na atividade administrativa Municipal, situação de competência do Poder Executivo e que é matéria referente à administração pública, com gestão exclusiva do Prefeito fora do âmbito de atuação
21 Idem, Ibidem.
22 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade n° 124. 920.0/3-00 (2006).
Também neste caso houve manifestação divergente, que se posicionou da mesma forma que a identificada no caso anterioremente relatado. Em caso originado em Jundiaí, e o objeto da ação era a contestação da constitucionalidade de uma lei que “exige dos hospitais municipais programa de orientação da gestante sobre os eventuais efeitos colaterais e métodos utilizados no aborto legal”. A legislação foi declarada inconstitucional por vício formal de iniciativa e também por vício material, no sentido de que violaria a separação de poderes. Novamente houve voto divergente, mas que seguia a mesma argumentação verificada nos casos anteriores. O caso de origem na municipalidade do Rio de Janeiro teve como o objetivo de contestar legislação municipal 3.339/01, que dispõe sobre o “Programa de incentivo à paternidade responsável, de planejamento familiar, de regulação de fertilidade e de liberdade individual de concepção da mulher”. A contestação da constitucionalidade foi proposta por representante de um grupo religioso (um pastor evangélico), que alegou que a disposição legislativa afrontou a separação de Poderes e tratou do tema aborto, que é matéria de competência legislativa federal. O tribunal declarou a inconstitucionalidade da lei por vício formal, de iniciativa, entendendo que a lei deveria ter sido de iniciativa do Poder Executivo. Embora esta ação contasse com a participação de grupos religiosos, não foram invocadas questões de direitos sexuais e reprodutivos, centrando-se o debate em questões técnicas de Já o agravo de instrumento perante o Tribunal de Justiça de São Paulo foi interposto em razão de medida liminar concedida em meio a processo que discutia a possibilidade de fabricação e distribuição de medicamento contraceptivo de emergência. A demanda foi proposta contra empresa farmacêutica, por indústria a ela concorrente, sob a alegação de que seria produto medicinal abortivo, devendo, portanto, ser proibido. Ao final, o tribunal decidiu por devolver a matéria à primeira instância para que fosse lá decidida mediante a ampla
23 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade n° 125.380-0/5-00 (2006).
24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Representação por inconstitucionalidade da da Lei n°
3.339/01 (2006)
25 O autor da ação, Édino Fonseca, declara em seu site oficial, que “tem orgulho de sua trajetória política, mas
afirma que, antes de tudo, seu compromisso é com a igreja. Ver: MINISTÉRIO Édino Fonseca. s/d.
Em sede de primeira instância, debateu-se muito o conteúdo de direitos sexuais e reprodutivos, inclusive fazendo-se alusão ao contraceptivo de emergência como sendo homicida. Segundo trecho do acórdão que se reporta ao processo em primeira instância: Segundo a decisão atacada, ao que se infere do trecho a fl. 5 transcrito, “o ‘preparado comercial’ Postinor (Levonorgestrel) tem, dentre seus efeitos, o homicida, pois impede a nidação do novo ser humano vivo (produto da fecundação já ocorrida) em seu estágio inicial (embrião), levando-o, por conseqüência Fecundação já ocorrida (fl. cit.), “a droga impede a nidação do ser humano em sua fase embrionária (em média com sete dias de vida), ou seja, não permite que se aninhe (nidação vem do latim, que significa ‘fazer ninho’) na parede interna do útero materno interrompendo seu processo de autoconstrução”. Abortivo o processo (fl. 5, cit.), “interrompe não só a gravidez ou gestação, mas interrompe a nidação, não permitindo que o recente ser humano vivo (em sua fase embrionária) tenha ambiente propício para seguir seu ciclo vital, i.e., expulsa-o da casa uterina que ele construiria, Em outro trecho, o tribunal assim se posicionou: Efetivamente (aresto cit.), “a admissão de meios anticoncepcionais de modo algum constitui franquia para a liberação do aborto, mesmo nos primeiros dias de concepção pois é de compreensão intuitiva e elementar a diferenciação material, ética e jurídica, entre um impedir de vir a ser e a eliminação de uma realidade, ou Por fim, houve ação proposta com o objetivo de contestar a constitucionalidade de lei do município de Cachoeira Paulista, que proibia a distribuição de medicamentos contraceptivos de emergência pela rede de saúde pública municipal. No acórdão, o debate centrou-se na questão do conflito de competência entre Poder Executivo e Legislativo, abordando-se mais uma questão de separação de poderes do que de direitos sexuais e reprodutivos. Ao final, declarou-se a inconstitucionalidade da lei. Em trecho do voto,
26 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de instrumento n°417.468-4/5-00 (2005).
27 Idem, Ibidem.
A competência para cuidar da saúde e da assistência pública é comum à União, aos Estados e ao Município (artigo 23, inciso II da Constituição da República). Contudo, o artigo 30 restringe a atribuição, do Município, a legislar sobre interesses de assunto local. Por conseguinte, lhe está vedado disciplinar políticas públicas de saúde que obedeçam a uma planificação nacional e que abarquem todo um contingente populacional, no caso, as mulheres, outorgando-lhe a seletividade quanto ao uso ou não de medicamento contraceptivo. A questão não se cinge ao peculiar interesse do Município, pois, a este, não cabe permitir ou proibir, mas, simplesmente, regular a implementação, nessa ótica limitada suplementando a Não cabe aqui discutir sobre o núcleo da política governamental referente à distribuição ou não de anticoncepcionais ou contraceptivos. Impõe-se, em respeito, às candentes e sensíveis motivações do Desembargador Barreto Fonseca, anotar que o debate deve alcançar amplitude nacional. Não se justifica admitir que se desenrole, autonomamente, em cada célula municipal, com resultados setorializados e discrepantes, o que atentará contra a segurança da saúde pública desestabilizando a implantação política desse serviço e nem mesmo beneficiará a posição daqueles favoráveis à vedação, porque sempre possibilitaria a busca desses medicamentos nos locais em que a concessão fosse viabilizada. Houve voto divergente, no sentido já apontado anteriormente, de que o medicamento deve ser proibido por ser abortivo e contrariar a garantia do direito à vida, inclusive assegurada no Pacto de São José da Costa Rica. 7. O caso Jundiaí
Outro caso que merece destaque ocorreu em 2008, fora do campo amostral de casos analisados na pesquisa. Seguindo o mesmo sentido que prefeitos de outros municípios, o prefeito de Jundiaí, Ary Fossen, sancionou a lei aprovada na Câmara Municipal, que previa a retirada dos serviços públicos e privados de saúde do município de Jundiaí da pílula contraceptiva de emergência. O bispo diocesano Dom Gil Antônio Moreira teria pedido formalmente, segundo a imprensa local, que o prefeito não vetasse a iniciativa. 28 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade de lei n° 126.502.0/0-00 (2006) Em abril do mesmo ano, diversas organizações feministas entraram com representação junto ao Ministério Público contra esta ação do prefeito, demandando uma ação direta de inconstitucionalidade da lei e a garantia às mulheres daquela cidade aos contraceptivos de emergência. Seguem algumas das razões apontadas: A função legislativa não pode, conforme sua competência subsidiária, propor lei que viole e limite direitos previstos em lei federal e na própria carta constitucional. Além disso, quando as razões da aprovada lei fundamentam-se em crenças religiosas,
implica violação aos preceitos da liberdade de crença e pensamento do Estado.
O Estado brasileiro é laico. O processo legislativo está a serviço das normas
constitucionais e não de valores morais. Se uma câmara de vereadores propusesse
a proibição de transfusão de sangue e o Prefeito sancionasse a lei, seria uma afronta à laicidade do Estado. A lei 7.025/08 de Jundiaí age da mesma forma ao evitar que mulheres tenham acesso a métodos contraceptivos, um direito fundamental, baseado Em fevereiro de 2009, o caso teve um desfecho: a lei foi julgada inconstitucional, permitindo que as mulheres daquele município voltassem a ter acesso aos medicamentos. Organizações feministas e de direitos humanos manifestaram-se no caso como amici curiae, o que qualificou o debate e certamente influenciou o resultado do julgamento. Importante notar que neste caso, mais uma vez, caminharam juntas as medidas restritivas à circulação dos contraceptivos e a influência para tal por parte de instituições religiosas. 8. Conclusão
A comprovação científica de que os contraceptivos de emergência não são métodos abortivos significa, muito além de uma definição conceitual, uma prova de que não há sustentação jurídica para a restrição de sua distribuição no sistema público de saúde. Isto porque, não se enquadrando como método de aborto, mas sim como um medicamento contraceptivo, não pode ser considerado ilegal, especialmente considerando-se que a 29 Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR); Comitê Latino Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM – Brasil); Instituto Antígona; Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); Dr. Aníbal Faúndes; IPAS; Rede Brasileira de Promoção de Informações e Disponibilização da Contracepção de Emergência (REDE CE); Jornadas pelo Aborto Legal e Seguro; Católicas pelo Direito de Decidir e Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos. 30 (01 mai. 2008) 31 Comissão de Cidadania e Reprodução e Conectas Direitos Humanos Constituição Federal determina ser o planejamento familiar um direito dos cidadãos Desta maneira, os contraceptivos de emergência não somente são medicamentos lícitos, mas cuja distribuição está prevista, tanto na Constituição Federal quanto em tratados internacionais de direitos humanos adotados pelo Brasil, enquanto um dos meios para o exercício do planejamento familiar e dos direitos reprodutivos. Assim, os contraceptivos de emergência são um direito das mulheres e um dever do Estado. Contudo, alguns municípios, enquanto instâncias responsáveis por sua distribuição, vêm exercendo restrições parciais ou totais ao acesso dos mesmos por parte das mulheres, através de, por exemplo, leis proibitivas no âmbito da municipalidade. Se não há, como apontado, fundamentação jurídica para tal procedimento, resta apontar que isto ocorre por motivações morais, quando não explicitamente religiosas, o que é incabível em um Estado Além disso, cabe destacar que enquanto método anticoncepcional, ou seja, um meio de evitar a gravidez indesejada, o contraceptivo de emergência é também uma forma de evitar abortos; por tratar-se de um método preventivo é, muito provavelmente, mais eficaz do que o enquadramento proibitivo- penal do procedimento. Por este motivo, é curioso verificar que os mesmos grupos sociais contrários ao aborto manifestam-se contra a distribuição dos medicamentos contraceptivos de emergência, já que estes poderiam contribuir na prevenção à gravidez indesejada, que motiva a realização de Verifica-se que a argumentação em defesa do direito à vida como absoluto identificada nos acórdãos analisados, utilizada para reverter a distribuição de medicamentos contraceptivos de emergência, tem fundamento similar ao adotado pela Igreja Católica. Daí pode-se depreender a motivação do combate, inclusive jurídico, ao uso de medicamentos contraceptivos, refletindo a tensão social que circunda a matéria. Embora com fundamentos diversos (nenhum deles embasado na liberdade e autonomia sexual e reprodutiva das mulheres), a maioria das leis que obstruíam a distribuição dos contraceptivos de emergência foi considerada inconstitucional pelos tribunais de justiça Por fim, ressalta-se que a utilização de contraceptivos de emergência já é uma realidade para as mulheres brasileiras, porém, de forma desigual: o grande consumo se dá pela aquisição em farmácias e drogarias, o que aponta para um benefício de seu uso restrito a uma minoria. As mulheres pobres, principalmente jovens e adolescentes, que constituem grande maioria da população e necessitam dos medicamentos distribuídos gratuitamente, ficam apartadas do acesso a este recurso contraceptivo, o que aponta para a necessidade de ampliação, ao invés de restrição, do acesso a este e também a outros métodos contraceptivos 9. Referências Bibliográficas
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Source: http://www.aads.org.br/arquivos/ContracepcaoEmergencia09.pdf

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