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Relatório doSimpósio “O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
Nós, representantes de entidades médicas, especialistas e pesquisadores sobre o uso
do misoprostol na ginecologia e obstetrícia, e ativistas pelos direitos sexuais e
reprodutivos das mulheres, abaixo assinados,
a. Encontramo-nos em Simpósio no dia 8 de outubro de 2008, na sede da
Associação Paulista de Medicina, São Paulo, a convite da Associação Pathfinder
do Brasil, da Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia -
FEBRASGO e da organização Católicas pelo Direito de Decidir - CDD;
b. Atualizamos nossas reflexões quanto às evidências científicas que apoiam o uso
do misoprostol na ginecologia e obstetrícia e quanto às barreiras ao seu uso que
restringem seu acesso por parte de hospitais e mulheres em idade reprodutiva;
c. Apresentamos a seguir nossas considerações e recomendações, na perspectiva
de contribuir para expandir a discussão sobre o papel do misoprostol na
prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal.
Considerando que:
1. O Brasil foi o primeiro país no mundo a aprovar e registrar o misoprostol para uso em
2. Os primeiros estudos brasileiros1 sobre o medicamento foram feitos entre 1987 e
1988 e desde então o número de pesquisas relacionadas ao misoprostol aumentou
3. No período 2005-2007, as principais revistas indexadas internacionais2
publicaram 2.992 artigos com resultados de pesquisas sobre o uso do misoprostol na
gravidez, o que, se comparado a anos anteriores, demonstra crescente aumento
nesse campo específico da pesquisa acadêmica na área de ginecologia e
Evidências Científicas3
4. O American Col ege of Obstetricians and Gynecologists (ACOG)4 estabeleceu, em
1998, padrões para classificar essas pesquisas segundo demonstrem evidências
científicas que apoiem ou não o uso do misoprostol para determinados
procedimentos e respectivos períodos de gestação. Esses padrões involvem cinco
graus de recomendação: A) Boa evidência que apoia o uso; B) Suficiente evidência
que apoia o uso; C) Insuficiente evidência, entretanto se pode recomendar em
algumas situações especiais; D) Alguma evidência contra seu uso; e E) Boa
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
5. Pesquisas indicam boa evidência para uso do misoprostol nos seguintes
procedimentos e respectivos períodos de gestação: (i) aborto medicamentoso e
maturação do colo antes de aborto cirúrgico durante o primeiro trimestre de
gestação; (i ) maturação cervical antes de uma dilatação e curetagem no segundo
trimestre; e (i i) indução do parto e maturação cervical no terceiro trimestre;
6. Pesquisas demonstram que existe suficiente evidência para uso do misoprostol na
indução do parto (aborto, morte fetal) durante o segundo trimestre de gestação;
7. Resultados de algumas pesquisas demonstram insuficiente evidência que apoie o
uso do medicamento, embora recomendem seu uso, em situações especiais, tais
como (i) falha da gestação, morte fetal/feto retido durante o primeiro trimestre e (i )
prevenção e controle de hemorragia pós-parto;
8. Desconhece-se evidência cientifica sobre o uso do misoprostol na amamentação, daí
derivando a recomendação de que a mulher não amamente nas primeiras 6 horas
9. Não há estudo comprovando boa ou alguma evidência contra seu uso, embora
alguns estudos ressaltem que o misoprostol é contra-indicado em casos de mulheres
10. Pesquisas demonstram que o uso do misoprostol permite o êxito na facilitação do
parto vaginal quando há indicação de interrupção da gravidez com colo imaturo (pré-
eclâmpsia grave, ruptura prematura de membranas e outras) e isso contribui para
reduzir a taxa de cesárea nesses casos;
11. A indução de parto/aborto com feto morto/retido é um dos problemas mais difíceis de
resolver em obstetrícia, pois se sabe que técnicas de injeção intra-amniótica podem
complicar e terminar em cesárea ou até mesmo levar à morte materna. Pesquisas
demonstram que com o uso do misoprostol se obtêm taxas de êxito próximas a
12. Estudos analisando a capacidade do misoprostol em provocar forte contração uterina
sugerem que seu uso pode ser útil na prevenção de hemorragia pós-parto, que é a
primeira causa de morte materna no mundo e a segunda no Brasil;
13. O misoprostol é útil quando se deseja um efeito rápido, como no caso da hemorragia
pós-parto, recorrendo-se à via sublingual, que é de fácil manejo e, portanto, permite
seu uso por pessoal não médico em áreas rurais;
14. O misoprostol está indicado em todos os casos em que se requeira a interrupção
segura da gravidez, seja no primeiro ou no segundo trimestre da gestação;
15. Em mulheres com abortamento incompleto sem infecção nem hemorragia abundante
e com bom estado geral, a administração de misoprostol pela via oral ou sublingual
resolve mais de 80 % dos casos, sem internação nem evacuação cirúrgica. O uso do
misoprostol apresenta menor eficácia em casos de infecções locais (vaginites,
16. A taxa de sucesso na interrupção da gravidez com misoprostol é de 85% a 90%,
independentemente da paridade, da idade e da raça e dependente do tempo de
espera para se obter o efeito desejado. Constata-se que em 80% das mulheres
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
inicia-se o esvaziamento uterino nas primeiras 24 horas e que a taxa de sucesso
aumenta pelo menos até 72 horas depois da administração do misoprostol. Fortes
evidências demonstram que o seguimento, nestes casos, pode ser ambulatorial, com
elevada segurança se a gestação for até 9 semanas. Se a gestação for de segundo
trimestre, o seguimento é hospitalar, devendo a mulher permanecer internada;
17. Estudos no Brasil demonstram que, apesar das limitações legais, as mulheres
continuam usando misoprostol. No entanto, como só conseguem comprar o
medicamento no mercado paralelo por um preço alto, usam doses menores que
podem alterar a eficácia do medicamento;
18. Durante a última década, vários estudos têm confirmado que, mesmo em situação de
clandestinidade, os abortos induzidos com misoprostol são mais seguros que os
induzidos por outros procedimentos. Pesquisa em Goiânia (1994) constatou que
casos de febre variam de 8% (usando misoprostol), 17,4% (uso de outras drogas) a
36,4% (outros métodos). Com relação à infecção uterina, os percentuais são
respectivamente 9%, 15,2% e 30%. Os resultados de outra pesquisa realizada no
Recife (1994) informam o percentual de abortos complicados com infecção grave
segundo o método de indução: 0,8% com misoprostol e 14,6% com outros métodos.
Neste sentido, pode-se afirmar que o uso do misoprostol, mesmo em condições
inseguras, possibilita a redução de infecções consideravelmente;
19. Há poucos estudos analisando as conseqüências a longo prazo do uso do
20. Em 2007, em função das evidências científicas, várias iniciativas internacionais
tiveram lugar: (i) a Organização Mundial de Saúde recomendou o uso do
medicamento; (i ) a Federação Latino-Americana de Sociedades de Obstetrícia e
Ginecologia (FLASOG) publicou o Guia sobre Uso Gineco-Obstétrico do Misoprostol;
(i i) o International Journal of Gynecology and Obstetrics, suplemento Dezembro
2007, apresenta artigos acadêmicos recomendando o uso do misoprostol para várias
condições gineco-obstétricas; (iv) os consórcios dedicados a diminuir a morbi-
mortalidade devido ao aborto inseguro (ICMA/CLACAI) criaram a Iniciativa de
Prevenção da Hemorragia Pós-parto; e (v) um projeto financiado pela USAID para
reduzir a morbi-mortalidade materna devido à hemorragia pós-parto analisa a
possibilidade de incorporação do misoprostol no “kit” médico de emergência para
21. Em 2008, o misoprostol foi adicionado à Lista Modelo de Medicamentos Essenciais
pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA/Brasil (RDC-36/2008);
22. O misoprostol, corretamente utilizado em suas indicações obstétricas precisas, nas
doses, vias e intervalos de administração corretos, tem um enorme potencial para
reduzir complicações e mortes de mulheres, assim como o custo dessa atenção para
23. A ampliação do uso do misoprostol é uma questão política. Situação no Brasil
24. O misoprostol está registrado no Brasil como medicamento para indução do parto e
aborto legal, havendo indicações para seu uso na Norma Técnica - Atenção Humanizada ao Abortamento e na Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos “O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal” Agravos Resultantes da Violência Sexual, ambas publicadas pelo Ministério da Saúde;
25. O medicamento foi introduzido no Brasil para tratamento da úlcera estomacal e
amostras grátis eram distribuídas nos consultórios, hospitais e nas farmácias. Na
época, farmácias exigiam receita médica para a compra de medicamentos contra a
tosse, mas vendiam livremente o produto Cytotec®, que se tornou o mais vendido de
todos os medicamentos no Brasil antes de ser regulamentado pela ANVISA;
26. O histórico da regulamentação do misoprostol no Brasil tem um viés político, que foi
precedido de um debate público nos meios de comunicação e interno no Ministério
da Saúde. Nos Estados Unidos, em 1988, quando foi regulamentada a utilização do
medicamento, grupos conservadores organizaram manifestações contrárias;
27. Em 1988, o misoprostol se tornou manchete nas mídias brasileiras. Vários atores
sociais se posicionaram a favor de retirar o medicamento do mercado, enquanto
outros defenderam que sem uma discussão aprofundada sobre o aborto, todas as
soluções em relação ao medicamento seriam de meio porte. O Ministério da Saúde
evitou entrar nessa arena, que passou a ser “terra de ninguém” e sobre a qual a
mídia construiu o uso do medicamento como caso de polícia, desconectando-o da
questão da legalização do aborto, que era o assunto central ao debate. Cresceram
as pressões de organizações da sociedade civil mais conservadora e de instituições
jurídicas sobre o Ministério da Saúde, reivindicando o enquadramento do misoprostol
como droga altamente controlada. A resolução de 2006 da ANVISA foi publicada
extensamente em jornais religiosos como uma vitória. Neste sentido, o misoprostol
foi colocado na agenda pública como maneira de banalizar o aborto, sem que se
enfrentasse a questão de sua legalização. E o abortamento foi construído no
imaginário social como qualquer outro crime hediondo. A linguagem da mídia passou
a se referir ao abortamento como crime de formação de quadrilha;
28. As resoluções da ANVISA e portarias de agencias similares de instância estadual
trazem restrições legais para o uso do misoprostol, seja dispondo sobre sua
comercialização e controle, seja proibindo sua publicidade em fóruns de discussões,
murais de recado, sítios na internet etc. Em junho de 2008, a mais recentemente
resolução da ANVISA dispõe sobre o Regulamento Técnico para funcionamento de
serviços de atenção obstétrica e neonatal e inclui o misoprostol como medicamento
básico obstétrico, com venda restrita a hospitais cadastrados;
29. O processo de registro de um hospital para utilizar o medicamento pode durar em
torno de quatro meses. A necessidade de registro do hospital para a utilização do
misoprostol é uma forma de controle dos serviços, podendo-se interpretar como um
contra-senso diante da regulamentação do uso do misoprostol contida na Norma
30. Mesmo quando cadastrados, os hospitais se defrontam com exigências burocráticas.
O medicamento permanece fechado nas farmácias dos hospitais e são inúmeros os
documentos que se deve preencher para se ter acesso ao mesmo. Esse controle
excessivo pela vigilância sanitária representa um viés ideológico e uma afronta aos
31. As barreiras no acesso ao misoprostol se intensificaram após a resolução de junho
de 2008 da ANVISA. Gestores/as de hospitais mostram pouco interesse em efetuar
o cadastramento, o que contribui para reduzir as opções de uso desse produto na
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
rede do SUS. Semelhante desinteresse se associa a posicionamentos políticos e
religiosos e a questões como a capacitação de profissionais para utilizar o produto;
32. A Norma Técnica - Atenção Humanizada ao Abortamento, do Ministério da Saúde,
contém uma rotina padronizada de como deve ser o procedimento nos casos de
abortamento previsto em lei. Diante disso, interpreta-se como contraditória a
exigência de cadastramento dos hospitais, o que leva à conclusão de que a
regulamentação existente é uma ferramenta para quem não quer implantar o serviço;
a obrigatoriedade de fazer credenciamento dá a gestores/as uma ferramenta para
33. A política pública brasileira ainda tem um viés personalista, que leva em
consideração a ideologia dos/as dirigentes. É o/a gestor/a que decide tratar
abortamento ou não, se cadastra ou não o hospital para poder comprar e usar o
misoprostol, por exemplo. Tentativas de flexibilizar o acesso ao misoprostol
costumam encontrar alta resistência entre as/os gestoras/es. Neste sentido, no
serviço público, as decisões técnicas continuam sendo orientadas pela ideologia de
quem está na chefia e pela prática que permeia a cultura de pensar que na “minha
maternidade”, no “meu serviço” isto pode e aquilo não pode;
34. Restringir o misoprostol para o uso intra-hospitalar é uma questão a ser revisada,
uma vez que há evidências para o uso ambulatorial seguro;
35. O uso do misoprostol ambulatorial, como está sendo feito na Cidade do México, tem
uma resolutividade bastante alta. Pesquisas realizadas nos serviços de atenção à
violência e de aborto legal naquela cidade comprovam a eficácia e segurança do uso
do misoprostol em casa, quando a mulher é bem orientada por profissionais
capacitados trabalhando em serviços de qualidade; nos hospitais que realizam o
aborto legal, pelo fato de a mulher ser bem orientada e acompanhada, é
insignificante o número de complicações;
36. Informe da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos,
Regional SP, denuncia que várias organizações sociais religiosas, habilitadas pelo
governo municipal e selecionadas por edital para administrar hospitais e
maternidades de vários distritos de São Paulo, proibíram o planejamento familiar e
deixaram de fazer laqueadura e vasectomia em unidades de saúde de algumas
áreas da cidade. Uma vez que a verba é proveniente do SUS, essas OS estão
agindo contra as políticas de saúde do país;
37. Em relação às resoluções da ANVISA, as vigilâncias sanitárias estaduais têm o
poder de aumentar as restrições ao uso do misoprostol, mas não o de flexibilizar o
que está definido pelo nível federal. Existe a percepção de que, ao longo dos 22
anos em que o medicamento está no país, a regulamentação sobre sua utilização
38. Não existe evidência científica que fundamente o excessivo rigor no controle da
compra e uso do misoprostol assim como estabelecido pela ANVISA. Semelhante
rigor não existe com outros medicamentos, como anti nflamatórios ou mesmo os
antidepressivos e outros medicamentos de uso controlado (opiáceos e morfina),
vendidos em farmácias com prescrição médica. Não defendemos o uso inadequado
de nenhum medicamento; pelo contrário, defendemos que todos os medicamentos
devam ser bem prescritos e bem indicados, ou seja, que todo o medicamento deva
ser utilizado com recomendações médicas;
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
39. Estudos confirmam que há uma associação temporal entre aumento nas vendas de
misoprostol e redução de complicações e mortalidade materna decorrentes do
aborto inseguro: as mortes por aborto caem à medida que aumenta o acesso ao
40. Discutir o tema da acessibilidade ao misoprostol é, portanto, oportuno e necessário.
A questão do misoprostol é ainda uma dívida que se tem com as mulheres e uma
situação que precisa ser enfrentada para que se avance na promoção dos direitos
41. É urgente reconhecer a necessidade de sensibilizar o poder público para proceder a
uma flexibilização da regulação atual do misoprostol;
42. Os repertórios que a sociedade usa para construir suas interações sempre estão
permeados por questões ideológicas e o debate sobre o uso do misoprostol mostra
isso. A especificidade dessa substância transparece na preocupação da sociedade
brasileira desde 1986. Nestes 22 anos a sociedade estabeleceu processos cada vez
mais restritivos, no sentido de criar regulações para dificultar o acesso das mulheres
ao misoprostol, patrulhá-las e considerá-las criminosas em relação ao seu uso;
43. Nenhuma mudança na resolução será obtida sem se produzir uma discussão sobre
44. A regulamentação estabelecida pela ANVISA vem prejudicando sobretudo as
mulheres pobres no país, porque cria e amplia as desigualdades sociais, de gênero,
classe e cor, desrespeitando os direitos humanos dessas mulheres;
45. As portarias restritivas da ANVISA estão na contramão das políticas de saúde do
Ministério da Saúde, das normas técnicas ou mesmo de leis como a Lei Maria da
46. Divulgar as evidências científicas que apoiam o uso do misoprostol e as corretas
indicações do uso da droga não significa promover o aborto, mas sim prevenir a
mortalidade e a morbidade materna e neonatal;
Direitos Humanos
47. Ter acesso a informação sobre o uso do medicamento é um direito das mulheres. As
limitações legais para o acesso ao misoprostol têm impacto na equidade de acesso à
informação e à tecnologia que reduz complicações e o risco de morbi-mortalidade, o
que coloca o uso do misoprostol como uma questão de direitos humanos;
48. De acordo com Constituição de 1988, a sonegação de informações fere os direitos
humanos. Neste sentido, proibir a divulgação de informações sobre o misoprostol é
uma injustiça e essa questão precisa ser debatida amplamente;
49. O acesso das mulheres ao misoprostol significa maior acesso a uma tecnologia de
saúde reprodutiva mais segura, aceitável e acessível, que garanta o exercício do
direito aos benefícios do progresso científico;
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
50. O acesso ao misoprostol pode reduzir os riscos para a saúde e para a vida das
mulheres nos casos de complicações de aborto inseguro, principalmente quando a
lei é restritiva, como no caso do Brasil;
51. Na ausência de informação em consequencia das limitações legais, as mulheres
fazem uso inseguro e clandestino do misoprostol, não procuram ajuda em serviços
médicos, correndo risco de hemorragia antes de serem atendidas;
52. Precisamos argumentar pelo fim da resolução que proíbe as/os profissionais da
saúde de fornecerem a informação sobre o misoprostol às mulheres. É fato que no
Programa de Saúde da Família as/os agentes comunitárias/os de saúde (ACS) são
procuradas/os por mulheres que lhes pedem informação sobre o aborto porque
decidiram não prosseguir com a gravidez e as/os ACS não podem sequer levar essa
situação para ser discutida na equipe da USF;
53. Parteiras tradicionais de zonas rurais da Região Nordeste do Brasil usam o
misoprostol em procedimentos ginecológicos e obstétricos. Em se tratando de
mulheres que desejam interromper a gravidez, as parteiras relatam que elas andam
quilômetros para comprar o remédio, por vezes até vendendo seus rebanhos para
conseguir dinheiro suficiente, em função do elevado preço do mesmo no mercado
54. As mulheres pobres são as que mais sofrem por não terem atendimento adequado.
Ficam à mercê de políticas municipais e estaduais, que podem criar mais restrições
às resoluções da ANVISA. Há municípios que já proibiram a contracepção de
emergência e a introdução de DIUs, contrariando as Políticas e Normas Técnicas
Capacitação e aceitabilidade
55. Existe a mensuração da desinformação das/os médicas/os sobre o misoprostol e
sobre as doses a serem administradas nas várias situações em que seu uso se
aplica na ginecologia e obstetrícia. A maioria das/os profissionais que trabalham no
serviço público não está capacitada para a utilização do misoprostol em
conformidade com os procedimentos definidos nas normas técnicas de atendimento
humanizado ao abortamento. Muitas/os ignoram, por exemplo, que quando o colo é
desfavorável ao parto normal, o uso do misoprostol é muito eficaz e deve ser
56. O uso do misoprostol não está padronizado, pois raramente as/os profissionais da
saúde conhecem ou recorrem aos protocolos existentes, tais como a Norma Técnica - Atenção Humanizada ao Abortamento, do Ministério da Saúde, o manual da Federação Brasileira de Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia-FEBRASGO e o
da Federação Latino-Americana de Sociedades de Obstetrícia e Ginecologia -
57. Além da capacitação para o uso do misoprostol, as/os profissionais da rede do SUS
necessitam de formações que aprofundem seu entendimento a respeito dos direitos
humanos e das políticas de saúde aprovadas; necessitam compreender a sua
obrigação em implementá-las, incluindo os serviços da rede de atenção a mulheres e
adolescentes em situação de violência sexual e doméstica, com atendimento aos
casos de aborto previsto em lei. O estigma é um conceito a ser trabalhado para
capacitar as/os profissionais na questão da superação do temor em revelar que o
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
hospital onde trabalham serve como local de atendimento ao aborto legal. As
capacitações devem reforçar a compreensão de que o atendimento ao aborto legal é
58. Estudo conduzido em Salvador, Bahia, mostrou, em sua linha de base que a maioria
dos ginecologistas e obstetras aprovava a ampliação da rede de atendimento a
mulheres e adolescentes em situação de violência sexual e doméstica e se dispunha
a fazer a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei. Um ano depois, na
reaplicação do mesmo questionário, constatou-se que a maioria dos entrevistados
não havia praticado nenhuma interrupção da gravidez, alegando que aceitariam
fazer o procedimento medicamentoso, mas não o cirúrgico, e que não o fizeram
porque o acesso ao misoprostol é difícil;
59. Pesquisa da CEMICAMP constatou que 50% das/os profissionais entrevistadas/os
aceitariam fazer o abortamento nos casos previstos em lei se o procedimento fosse
medicamentoso. Nos serviços que já oferecem atendimento de emergência a
mulheres e adolescentes em situação de violência sexual, verifica-se uma tendência
de aumento do número de médicas/os que realizam o abortamento previsto em lei,
em consequência da acessibilidade ao misoprostol.
A partir das considerações acima, nós recomendamos:
Ao Ministério da Saúde / SAS / DAPE / Área Técnica da Saúde da Mulher - ATSM
1. Intermediar uma audiência com o Diretor Presidente da ANVISA para discutir
maneiras de viabilizar a ampliação legal do uso do misoprostol, com a participação
2. Mobilizar as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde para a abertura de mais
serviços de atendimento a mulheres e adolescentes em situação de violência sexual
e doméstica, incluindo atendimento a abortamento previsto em lei com base nos
protocolos existentes (Normas Técnicas do Ministério da Saúde, manual da FLASOG
3. Promover a ampliação legal do uso do misoprostol de maneira a incidir positivamente
3.1. Alcance da Meta 5 do Milênio, de redução da morte materna em 75% em 2015 e
3.2. Maior efetividade clínica para a prevenção da hemorragia pós-parto, indução do
parto, interrupção precoce da gravidez e tratamento do aborto incompleto;
3.3. Maior potencial de reduzir as complicações do aborto e o custo da atenção, além
3.4. Observância do Brasil de suas obrigações internacionais em matéria de direitos
humanos relacionados à saúde sexual e reprodutiva;
3.5. Incorporar o misoprostol nas listas de medicamentos essenciais para uso
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
4. Difundir as pesquisas e os trabalhos realizados no Brasil na área de abortamento
5. Promover o conceito do uso do misoprostol associado diretamente a uma questão de
6. Organizar premiações - Prêmio Hospital Amigo da Mulher - e demais iniciativas de
reconhecimento público que estimulem hospitais a se integrarem à rede de atenção
a mulheres e adolescentes em situação de violência sexual e doméstica e a
implementarem o atendimento ao aborto legal como rotina;
7. Incentivar o uso seguro do misoprostol na zona rural;
8. Elaborar cartazes com as recomendações de dosagens do misoprostol para
À Secretaria Especial de Políticas para Mulheres - SEPM
9. Promover o envolvimento do Comitê de Monitoramento da Implementação do Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres na discussão da ampliação legal do uso do
À Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA
10. Rever a regulamentação existente sobre o uso do misoprostol, a partir das
evidências científicas que apóiam seu uso na ginecologia e obstetrícia;
11. Rever as barreiras administrativas que dificultam o acesso intra-hospitalar ao
misoprostol, aumentando a disponibilidade do medicamento no ambiente hospitalar;
12. Rever a cláusula sobre a obrigatoriedade de cadastramento dos hospitais para
13. Aumentar o acesso das mulheres ao misoprostol, permitindo a venda do
medicamento nas farmácias sob apresentação de prescrição médica;
14. Regulamentar o uso do misoprostol nas zonas rurais, oferecendo informações
corretas sobre o uso seguro do medicamento a parteiras tradicionais e outros
15. Pautar a utilização do misoprostol nas suas capacitações;
16. Distribuir amplamente o Manual da FLASOG;
17. Verificar se os protocolos de atendimento estão sendo cumpridos por meio de
18. Incluir questões sobre novas tecnologias reprodutivas e o uso do misoprostol na
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
19. Realizar cursos on-line (p. ex., no site da FEBRASGO) sobre novas tecnologias
reprodutivas e o uso do misoprostol, valendo crédito para a revalidação do TEGO;
20. Realizar um mapeamento sobre como a regulamentação do medicamento está
sendo feita em cada Estado da federação;
21. Promover eventos semelhantes ao presente Simpósio, que tenham um caráter
formativo, principalmente para pessoas que não atuem na área médica;
22. Desenvolver atividades que contribuam para desestigmatizar o misoprostol como
sendo uma droga abortiva, contribuindo para que seu uso seja culturalmente aceito
pelas/os profissionais de saúde e pelo sistema de saúde.
23. Sensibilizar o poder público para uma flexibilização da regulamentação do
24. Organizar e participar de atividades que contribuam para provocar mudanças na
25. Mobilizar-se para que o Projeto de Lei que propõe o prêmio Hospital Amigo da
Mulher, elaborado pela ATSM e a deputada Jandira Fegal i, em 2006, com a
colaboração da OMS, seja novamente colocado em votação nas instâncias
26. Promover atividades de divulgação do uso adequado do misoprostol.
27. Disponibilizar o misoprostol em dosagem e apresentação diferenciada, de maneira a
adaptá-lo às prescrições médicas para compra em farmácia e uso ambulatorial;
28. Ser parceiro no processo de ampliação legal do uso do misoprostol, de maneira a
colocá-lo no mercado a um preço acessível a mulheres com baixa renda.
Assinam este relatório
Adalberto Aguemi - Hospital Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, São Paulo
Aloisio José Bedone - Área de Ginecologia/CAISM/UNICAMP, Campinas
Ana Lucia Cavalcanti - Casa Ser, São Paulo
Carlos Laudari - Diretor da Pathfinder do Brasil, Salvador
Cecilia Simonetti - Pathfinder do Brasil, Salvador
Coríntio Mariani Neto - Dir. Téc. do Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros, São
“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
Cristião Fernando Rosas - Comissão de Violência Sexual e Interrupção da Gestação Prevista
Dulce Xavier - Católicas pelo Direito de Decidir - CDD e Jornadas pela Legalização do Aborto
Irotilde Gonçalves Pereira - Coordenadora do Serviço Social do Hospital Jabaquara, São Paulo
Jefferson Drezett - Serviço de Atenção às Vítimas de Violência Sexual CRSM/Hosp. Pérola
João Batista Marinho de Castro Lima - Ministério da Saúde / Secretaria De Atenção À Saúde -
SAS / Área Técnica da Saúde da Mulher - ATSM
Jorge Andalaft - Prof. Titular de Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade de Santo
Margareth Arilha - Diretora Executiva da CCR - Comissão de Cidadania e Reprodução
Maria José de Oliveira Araújo - IMAIS e Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e
Maria Jucinete - Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, São Paulo
Olímpio de Melo Moraes - Professor da Universidade Estadual de Pernambuco e Co-autor do
“Manual da FLASOG - Uso do Misoprostol em Ginecologia e Obstetrícia”
Rosa de Lurdes - Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos,
Rosângela Talib - Católicas pelo Direito de Decidir - CDD
Referências
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“O papel do misoprostol na prevenção da mortalidade e morbidade materna e neonatal”
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Guide des 4000 médicaments : utiles, inutiles ou dangereux au service des malades et des praticiens Extrait du CDURABLE.info l'essentiel du développement durable Un médicament sur deux inutile, des milliards pour la Guide des 4000 médicaments : utiles, inutiles ou dangereux au service des malades et des praticiens - Consommer responsable - Librairie Consommaction - Date de
VRÁNKOVÁ, K., KOY, CH. (eds) Dream, Imagination and Reality in Literature. South Bohemian Anglo-American Studies No. 1. České Budějovice: Editio Universitatis Bohemiae Meridionalis, Death, Angels and Football – Blake’s Visions and Almond’s England. Abstract: With reference to Skellig by David Almond, I discuss how the secondary world is interwoven with that of the pri