Pº cc 55/2008 sjc ct - regime de bens do casamento entre os cônjuges após a reconciliação em processo de separação de pessoas e bens

Proc. º n. º CC 55/2008 SJC CT

Assunto: Regime de bens do casamento entre os cônjuges após a
reconciliação em processo de separação de pessoas e bens.
Descrição e análise do problema:
A Senhora Conservadora do Registo Civil de (…), veio efectuar consulta, nos termos do Despacho n.º 7 de 1994, sobre qual o regime de bens entre os cônjuges após reconciliação em processo de separação de pessoas e bens. A questão colocada assenta num caso concreto. (…) e (…), casaram em 8 de Junho de 1974, sem convenção antenupcial portanto, no regime da comunhão de adquiridos. Por sentença de 14 de Outubro de 1999, transitada em 25 do mesmo mês, foi decretada a separação de pessoas e bens. Por decisão de 21 de Fevereiro de 2008, transitada na mesma data, foi homologada a reconciliação do casal. Suscita-se, agora, a questão de saber qual o regime de bens que vigora entre os mesmos cônjuges após a reconciliação. A consulente, após ter efectuado uma breve descrição dos preceitos legais que entendeu relevantes para o caso e de ter dado conta da existência de divergências de entendimento entre uma anotação ao art.º 179.º –C do Código Civil anotado, de Abílio Neto, segundo a qual após a referida reconciliação o regime de bens parece ser o da separação e uma outra expressa no Código Civil anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, no sentido de que, após a reconciliação, a sociedade conjugal renasce sobre o pano de fundo do regime de “Após a reconciliação em processo de separação de pessoas e bens, o regime de bens do casamento passa a ser o da separação de bens pois, com a reconciliação, o casamento apenas renasce com todos os deveres e direitos no plano das pessoas e não no plano dos bens. Esta conclusão assenta no entendimento de que neste regime da separação de pessoas e bens se encontra enxertado o regime da simples separação judicial de bens, que segundo o art.º 1771.º do C.C. é irrevogável e no princípio da imutabilidade do regime de bens previsto no art.º 1714.º do referido Código. A lei admite que haja uma excepção ao princípio da imutabilidade, com alteração do regime de bens após a separação. Sendo esta uma excepção, será admissível aplicar uma nova excepção para o momento da Cumpre informar:
Importa averiguar, antes de mais, as normas que regulam as convenções antenupciais, o regime de bens e a separação de pessoas e bens. Comecemos pelo art.º 1698.º do Código Civil, diploma a que pertencem todos os normativos doravante citados sem indicação em contrário. Tendo por epígrafe “Liberdade de convenção”, estabelece: “Os esposos podem fixar livremente, em convenção antenupcial, o regime de bens do casamento, quer escolhendo um dos regimes previstos neste código, quer estipulando o que a esse respeito lhes aprouver, dentro dos limites da lei.” Portanto, é consagrado um amplo regime de liberdade de escolha entre o regime supletivo (comunhão de adquiridos), o regime da comunhão geral e o da separação de bens, admitindo-se ainda a opção por um regime híbrido ou que sejam feitas outras estipulações. Apesar disso, a lei consagra algumas limitações (art.º 1699.º) ou mesmo Porém, celebrado o casamento, ficam os cônjuges vinculados ao princípio da imutabilidade das convenções antenupciais ou dos regimes de bens que resultam automaticamente de lei, o qual se encontra consagrado no art.º 1714.º. O artigo seguinte, o 1715.º, elenca as excepções ao mesmo princípio e, entre elas, encontramos a simples separação judicial de bens e a separação judicial de pessoas e bens. Analisemos, agora, o regime e efeitos de cada uma das indicadas 1 – A simples separação judicial de bens (art.ºs 1767.ºa 1772.º) tem sempre um carácter litigioso e fundamenta-se no perigo de um dos cônjuges perder o seu património pela má administração do outro. Não tem qualquer efeito nas relações pessoais entre os cônjuges. Uma vez transitada a sentença que a decretar, o regime de bens passa a ser, irrevogavelmente, o da separação, procedendo-se à partilha do património comum como se o casamento tivesse sido dissolvido. Portanto, por disposição expressa da lei o regime de bens passa a ser, definitivamente, o da separação (art.º 1770.º e 1771.º). 2 – A separação judicial de pessoas e bens está regulada nos artºs 1794.º O primeiro daqueles normativos, faz uma remissão geral para os preceitos que regulam o divórcio e disso resulta, além do mais, que a separação de pessoas e bens pode ser litigiosa ou por mútuo consentimento1. Porém, importa concentrar a nossa atenção no conteúdo dos art.ºs 1795.º- Deles decorre que a separação de pessoas e bens não dissolve o casamento (as pessoas conservam o estado civil de casadas) mas extingue os deveres de coabitação e de assistência, este sem prejuízo do direito a alimentos, mantendo- se os restantes, ou sejam os de respeito, fidelidade e cooperação. Quanto aos bens, a separação de pessoas e bens produz os mesmos efeitos que produziria a dissolução do casamento, pelo que, tal como na simples separação judicial de bens, há que proceder à partilha do património comum. A lei estabelece ainda que a separação de pessoas e bens termina pela dissolução do casamento ou pela reconciliação dos cônjuges. No entanto, para a questão em análise só nos interessa a segunda Estabelece o n.º 1 do art.º 1795.º-C (Reconciliação), já citado, que “Os cônjuges podem a todo o tempo restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais.” Isto é, como dizem os professores Pires de Lima e Antunes Varela, “Das ruínas a que a separação reduzira a sociedade conjugal renasce, por força da vontade das partes, a plena comunhão de vida em que consiste a essência do matrimónio. Renascem, assim, o dever de cooperação em toda a sua plenitude, o dever de coabitação e o dever de assistência.”2 No mesmo sentido aponta a doutrina dos Professores Pereira Coelho e Também o Dr. Abílio Neto, em anotação ao art.º 1795.º-C do seu Código Civil Anotado (11.ª edição), refere que “Os cônjuges se consideram casados4), a partir da sentença homologatória da reconciliação, restabelecendo-se a vida em comum e entrando ambos no pleno exercício dos direitos e deveres conjugais…” As divergências doutrinárias surgem na questão do regime de bens que fica O Dr. Abílio Neto, escreve, sem justificar que “.,. o regime de bens passará 1 A c o n s u lt a f o i f o r m u la da e o p ar e cer e la b or a do d e n t ro do q u a d ro leg al a n t e r io r à n o v a r e g u l a m e n t a ç ã o d o d i v ó r c i o . 2 Dir eito da Família, 1 .º v o lume, 3 .ª edição . 3 Cur so de Dir eito da Família, v o lume 1 .º , 2 .ª edição , Co imbr a Editora 20 01 , pág. 5 62 e 4 O bv iamente disco rdamo s to talmente da referência a “casad os” po rque não haviam Os Professores Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, por seu lado, dizem “ Questão que pode levantar dúvidas é a do regime de bens que fica a vigorar entre os cônjuges depois da reconciliação. O art.º1776.º do Código de 1966, na sua primitiva redacção, dispunha que «a partir da reconciliação os cônjuges se consideravam casados segundo o regime da separação de bens», mas o preceito foi revogado pela Reforma de 1977. Não contendo o art.º 1795.º-C disposição semelhante, parece entender-se que a reconciliação dos cônjuges repõe em vigor o mesmo regime de bens que vigorava antes da separação, conforme o princípio geral enunciado no n.º 1. Portanto, em primeira análise, concluem que o regime de bens é o que Porém, logo a seguir, acrescentam: “Mas não deverá permitir-se aos cônjuges escolher livremente o regime de bens do casamento (o mesmo que valia antes da separação ou regime diverso) na escritura de reconciliação ou em Não podemos concordar, de forma alguma, com esta posição, pese embora o grande prestígio daqueles mestres e o consequente respeito que nos merecem. De resto, é uma posição exposta na interrogativa logo, sem certeza. É que a convenção sobre o regime de bens é antenupcial, portanto, prévia ao casamento e não pode ser revogada ou modificada depois daquele ter sido Ora, na separação de pessoas e bens não existe um segundo casamento, pelo contrário, é o mesmo porque não se havia dissolvido. Mas os referidos professores dizem ainda: A lógica da solução seria esta: a reconciliação valeria como um segundo casamento, pelo que a convenção que os cônjuges celebrassem sobre o regime de bens que valeria depois da reconciliação seria ainda, de alguma maneira, uma convenção “antenupcial”, não havendo pois, verdadeiramente, derrogação ao princípio geral da imutabilidade das convenções antenupciais expresso no art.º 1714.º CCiv. Aliás, dispondo o art.º 1795-A, in fine, que a separação, relativamente aos bens “produz os mesmos efeitos que produziria a dissolução do casamento”, os regimes da separação judicial de pessoas e bens e do divórcio viriam assim a coincidir neste ponto, pois é sabido que, no divórcio, os divorciados que voltem a casar podem escolher livremente o regime de bens do segundo casamento.” Também nesta parte somos forçados a discordar dos Professores Pereira Na verdade, se a separação de pessoas e bens não dissolve o casamento, nunca a reconciliação pode ser equiparada a um segundo casamento. Por outro lado, a coincidência entre a separação de pessoas e bens e o divórcio, quanto aos bens, verifica-se apenas quando uma e outra são decretadas (melhor, quando transitam as respectivas decisões), já que ambas implicam a partilha do património comum. E a lei di-lo expressamente. Quem se divorcia fica com o seu casamento dissolvido pelo que, para o recuperar tem de contrair novo casamento. Pelo contrário, na separação de pessoas e bens o vínculo matrimonial, como já se disse, fica apenas atenuado e basta a reconciliação e a respectiva homologação para voltar à sua plenitude. Se no regime da separação de pessoas e bens que resultou da Reforma de 1977, o legislador não reproduziu a norma contida no n.º 2 do art.º 1776.º na primitiva redacção, é porque entendeu alterar essa questão. Quis deixar que a nova plenitude do casamento, subsequente à reconciliação fosse integral, abrangendo não só as relações pessoais entre os cônjuges mas também as patrimoniais. Para a simples separação de bens, o legislador da Reforma de 1977, manteve a redacção primitiva do art.º 1771, no sentido da irrevogabilidade Se, na separação de pessoas e bens, quisesse que após a reconciliação o regime de bens se mantivesse na separação, teria inserido no art.º 1795.º-C (que resultou da dita Reforma) o conteúdo do n.º 2 do art.º 1776.º da redacção primitiva, que era expresso nesse sentido. No entanto, não o fez e cremos que deliberadamente. É, de resto, a solução que melhor se adapta ao princípio da imutabilidade Se assim não fosse, os cônjuges poderiam usar artificiosamente a separação de pessoas e bens para alterar o regime de bens, reconciliando-se logo a seguir. É certo que também se pode usar artificiosamente o divórcio para o mesmo fim mas, aí, tem de haver um novo casamento pelo que se torna num recurso mais doloroso para os casais funcionando, assim, como inibitório. Por outro lado mesmo sem atentar na evolução histórica do regime da separação de pessoas e bens nada nos permite encontrar na letra do art.º 1795.º – C um mínimo de correspondência verbal com a interpretação no sentido de, após a homologação da reconciliação dos cônjuges separados, ser mantido o regime da separação de bens ou permitida a escolha de outro. Portanto não pode considerar-se uma interpretação correcta face ao A nossa posição coincide, assim, com a dos professores Pires de Lima e Antunes Varela que referem o seguinte “como na nova redacção do art.º 1795.º- C nenhuma referência se faz a semelhante providência (a manutenção do regime da separação de bens) deve entender-se que a sociedade conjugal renasce com a reconciliação sobre o pano de fundo do regime de bens anterior.”6 Face ao exposto formulamos as seguintes conclusões: ¾ 1 – A o contrário do divórci o, a separação de pessoas e bens não di ssolve o casamento, apenas atenuando o vínculo matrimonial. ¾ 2 – No art.º 1795.º – C do Códi go Civil não exi ste disposi ção equival ente à contida no n.º 2 do art.º 1776.º do mesmo Código na redacção anterior à ¾ 3 – Assi m, com a reco nciliação, os cônj uges retomam o casamento em toda a sua plenitude, tanto nas relações pessoais como nas patrimoniais. ¾ 4 – Consequentemen te, a parti r da reconciliação vi gorará o regi me decorrente da lei ou de convenção antenupcial que existia antes da separação. Este parecer foi homologado por despacho, do Exmº Presidente, de
19 de Outubro de 2009, com declaração de voto do vogal João Bastos.
Declaração de voto:
Reconhecendo embora a delicadeza da matéria, inclino-me para sufragar a tese dos Mestres Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito
da Família, Vol. I, 3ª ed., 2003, pág. 615. Como salientam os Mestres (ob. cit., pág. 603), na simples separação de bens opera-se uma modificação de regime de bens do casamento. O regime matrimonial “passa a ser o da separação” (cfr. art. 1770º, C.C.). Sendo ainda de sublinhar que este efeito de “alteração” do regime matrimonial é irrevogável (ao contrário do que se verificava no art. 1229º do Código de Seabra – cfr. Jacinto
6 Có digo Civ il Ano tado , IV v o lume, 2.ª edição , Co imbr a Edito r a. Rodrigues Bastos , in Direito da Família Segundo o Código Civil de 1966, IV,
1979, pág. 17).
Já na separação de pessoas e bens, a separação produz os efeitos que produziria a dissolução do casamento (cfr. art. 1795º-A, parte final, do C.C.), do que resulta que, neste ponto, existe coincidência entre os regimes do divórcio e da separação de pessoas e bens. O que vale por dizer que inexiste pura e simplesmente regime matrimonial. Do ponto de vista patrimonial, os cônjuges Daí que não me repugne ver na reconciliação dos cônjuges um “segundo casamento”, para o qual eles poderão convencionar o regime de bens que lhes aprouver, sem que tal implique violação do princípio geral da imutabilidade das convenções antenupciais expresso no art. 1714º do C.C. A lógica do “segundo casamento” não colherá, porém, quando os cônjuges não decidam celebrar convenção “antenupcial”. Neste caso, o “segundo casamento” não se considerará celebrado segundo o regime de bens supletivo, como decorreria do art. 1717 do C.C., antes «a reconciliação dos cônjuges repõe em vigor o mesmo regime de bens que vigorava antes da separação, conforme o princípio geral enunciado no nº 1» (obra e local citados), o que bem se compreende.

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