DISCURSO PARA O ENCONTRO NA UNIVERSIDADE DE ROMA "LA SAPIENZA"
Magnífico ReitorExcelentíssimas Autoridades políticas e civisIlustres professores e pessoal técnico-administrativo,Queridos jovens estudantes!É para mim motivo de profunda alegria encontrar-me com a comunidade da
"Sapienza Universidade de Roma", por ocasião da inauguração do ano académico. Háséculos que esta Universidade marca o caminho e a vida da cidade de Roma, fazendofrutificar as melhores energias intelectuais em cada campo do saber. Depois da fundaçãoquerida pelo Papa Bonifácio VIII, a instituição, quer no período em que dependia
directamente da Autoridade eclesiástica, quer sucessivamente, quando o Studium Urbisse desenvolveu como instituição do Estado Italiano, a vossa comunidade académicamanteve um grande nível científico e cultural, que a coloca entre as mais prestigiosasuniversidades do mundo. Desde sempre, a Igreja de Roma tem olhado com simpatia eadmiração para este centro universitário, reconhecendo o seu empenho, por vezes árduoe cansativo, de investigação e de formação das novas gerações. Nestes últimos anos, nãofaltaram momentos significativos de colaboração e diálogo. Apraz-me recordar, de
modo particular, o Encontro Mundial dos Reitores, por ocasião do Jubileu dasUniversidades, que viu a vossa comunidade ocupar-se não apenas do acolhimento e daorganização, mas também e sobretudo da proposta profética e complexa que era aelaboração de um "novo humanismo para o terceiro milénio".
Nesta circunstância, começo por expressar a minha gratidão pelo convite que me
foi dirigido para falar à vossa universidade. Com esta perspectiva em mente, pus-meantes de tudo esta pergunta: O que é que pode e deve dizer um Papa numa ocasiãocomo esta? Na minha prelecção em Ratisbona, falei certamente como Papa mas fi-losobretudo enquanto ex-professor daquela minha universidade, procurando unirlembranças e actualidade. Mas, à universidade "Sapienza", a antiga universidade de
1 O texto que o Papa Bento XVI teria lido durante a visita à Universidade de Roma "La Sapienza",
prevista para o dia 17 de Janeiro, depois anulada em 15 de Janeiro de 2008.
Roma, fui convidado a vir precisamente como Bispo de Roma e, por isso, devo falarenquanto tal. Sem dúvida, outrora a "Sapienza" era a universidade do Papa, mas hoje é
uma universidade laica com aquela autonomia que, na base do seu próprio conceitoconstituinte, sempre fez parte da natureza da universidade, que deve estar vinculada
exclusivamente à autoridade da verdade. Na sua liberdade de autoridades políticas e
eclesiásticas, a universidade encontra a sua função particular, nomeadamente nasociedade moderna, que tem necessidade de uma instituição deste género.
Volto à minha pergunta inicial: O que é que pode e deve dizer o Papa no
encontro com a universidade da sua cidade? Reflectindo sobre esta questão, pareceu-me
que a mesma incluísse outras duas, cujo esclarecimento por si mesmo havia de levar à
resposta. Com efeito, é necessário interrogar-se: Qual é a natureza e a missão do
Papado? E ainda: Qual é a natureza e a missão da universidade? Não quero aquidemorar-vos, a vós e a mim, com prolongadas indagações sobre a natureza do Papado.
Uma breve menção é suficiente. O Papa é primariamente Bispo de Roma e como tal,
em virtude da sucessão do Apóstolo Pedro, detém uma responsabilidade episcopal portoda a Igreja Católica. A palavra "bispo" - episkopos, cujo significado imediato é o de
"sentinela", já no Novo Testamento se fundiu com o conceito bíblico de Pastor: éalguém que olha o conjunto de um ponto de observação mais elevado, cuidando dorecto caminho e da coesão da totalidade. Neste sentido, tal designação da sua missãoaponta antes de mais para o interior da comunidade crente. O Bispo o Pastor é ohomem que tem cuidado desta comunidade; é aquele que a conserva unida, mantendo-ano caminho para Deus, que foi indicado, segundo a fé cristã, por Jesus e não somenteindicado: Ele mesmo é, para nós, o caminho. Mas, esta comunidade da qual o Bispo seocupa seja ela grande ou pequena vive no mundo; as suas condições, o seu caminho, oseu exemplo e a sua palavra influem, inevitavelmente, sobre o resto da comunidadehumana inteira. Quanto maior ela for, mais a sua condição salutar ou então umaeventual degradação se repercute no conjunto da humanidade. Salta hoje aos nossosolhos, com grande clareza, como as condições das religiões e como a situação da Igrejaas suas crises e as suas renovações influem no conjunto da humanidade. Assim o Papa,precisamente como Pastor da sua comunidade, foi-se tornando cada vez mais tambémuma voz da razão ética da humanidade.
Porém, aqui levanta-se imediatamente uma objecção, ou seja, que o Papa, de
facto, não falaria verdadeiramente com base na razão ética, mas tiraria as suasconclusões da fé e, por isso, não poderia pretender a validade das mesmas para quantosnão partilham desta fé. Havemos ainda de voltar a este tema, deixando-o por agoraporque se levanta aqui a questão absolutamente fundamental: O que é a razão? Comopode uma afirmação sobretudo uma norma moral demonstrar-se "razoável"? Aquigostaria, brevemente apenas, de relevar que John Rawls, embora negando às doutrinasreligiosas compreensivas o carácter da razão "pública", todavia vê na sua razão "não
pública" pelo menos uma razão que não poderia, em nome de uma racionalidadesecularizadamente insensível, ser simplesmente desconhecida por aqueles que adefendem. Para além do mais, ele vê um critério desta razoabilidade no facto de taisdoutrinas derivarem de uma tradição responsável e motivada, tendo sido durante umlongo período desenvolvidas argumentações suficientemente boas em defesa darespectiva doutrina. Nesta afirmação, parece-me importante o reconhecimento de que aexperiência e a demonstração ao longo das gerações a base histórica da sabedoriahumana constituem também um sinal da sua razoabilidade e do seu significadoduradouro. Diante duma razão não histórica que procura autoconstruir-se somente
numa racionalidade não histórica, a sabedoria da humanidade como tal a sabedoria dasgrandes tradições religiosas deve ser valorizada como realidade que não se pode
impunemente lançar para o cesto da história das ideias.
Voltemos à pergunta inicial. O Papa fala como representante de uma
comunidade crente, na qual, durante os séculos da sua existência, amadureceu uma
determinada sabedoria da vida; fala como representante de uma comunidade que guardaem si um tesouro de conhecimento e de experiência ética, que se revela importante para
toda a humanidade: neste sentido, fala como representante de uma razão ética.
Mas agora devemos interrogar-nos: O que é a universidade? Qual é a sua missão?
É uma questão colossal, à qual mais uma vez me é possível tentar responder, em estilo
quase telegráfico, com algumas observações. Penso que se possa afirmar que a
verdadeira e íntima origem da universidade esteja na sede de conhecimento, que éprópria do homem. Este quer saber o que é tudo aquilo que o circunda. Quer a verdade.
Neste sentido, podemos ver o questionar-se de Sócrates como o impulso do qual nasceu
a universidade ocidental. Penso, por exemplo para mencionar somente um texto nadisputa com Eutifrone, que diante de Sócrates defende a religião mítica e a sua devoção.
A isto, Sócrates contrapõe a pergunta: "Tu acreditas que entre os deuses existarealmente uma guerra recíproca e terríveis inimizades e combates. Teremos nós,Eutifrone, de afirmar que tudo isto é verdade?" (6 b-c). Nesta pergunta, aparentementepouco devota mas que, em Sócrates, derivava de uma religiosidade mais profunda e maispura, ou seja, da busca do Deus verdadeiramente divino , os cristãos dos primeirosséculos reconheceram-se a si mesmos e ao seu caminho. Acolheram a sua fé não deforma positivista, ou como a via de fuga de desejos não realizados; compreenderam-nacomo uma diluição da neblina da religião mitológica para deixar espaço à descobertadaquele Deus que é Razão criadora e, ao mesmo tempo, Razão-Amor. Por isso, ointerrogar-se da razão sobre o Deus maior e também sobre a verdadeira natureza e oautêntico sentido do ser humano era, para eles, não uma forma problemática de falta dereligiosidade, mas fazia parte da essência do seu modo de ser religiosos. Por conseguinte,eles não tinham necessidade de diluir ou abandonar o questionar-se socrático, maspodiam, aliás deviam, acolhê-lo e reconhecer como parte da sua própria identidade aárdua busca da razão para alcançar o conhecimento da verdade inteira. Assim podia,
aliás devia, no âmbito da fé cristã, no mundo cristão, nascer a universidade.
É necessário dar mais um passo. O homem quer conhecer; quer a verdade. Esta
é primariamente algo que diz respeito ao ver, ao compreender, à theoría, como adenomina a tradição grega. Mas, a verdade nunca é apenas teórica. Agostinho, aoestabelecer uma correlação entre as Bem-Aventuranças do Sermão da Montanha e osdons do Espírito mencionados no capítulo 11 de Isaías, notou uma reciprocidade entre"scientia" e "tristitia": o simples saber disse deixa-nos tristes. E realmente quem se limitaa ver e apreender tudo aquilo que acontece no mundo, acaba por ficar triste. Mas,
verdade significa mais do que saber: o conhecimento da verdade tem como finalidade oconhecimento do bem. Este é também o sentido do questionar-se socrático: Qual é obem que nos torna verdadeiros? A verdade torna-nos bons, e a bondade é verdadeira: talé o optimismo que vive na fé cristã, porque a esta foi concedida a visão do Logos, daRazão criadora que, na encarnação de Deus, se revelou conjuntamente como o Bem,como a própria Bondade.
Na teologia medieval, houve uma disputa profunda sobre a relação entre teoria e
prática, sobre a justa relação entre conhecer e agir uma disputa que não cabe aquidesenvolver. Com efeito, a universidade medieval com as suas quatro Faculdades
apresenta esta correlação. Comecemos pela Faculdade que, segundo a compreensão daépoca, era a quarta: a de Medicina. Não obstante fosse considerada mais como "arte" do
que como ciência, todavia a sua inserção no cosmos da universitas significavaclaramente que estava colocada no âmbito da racionalidade, que a arte de curar se
encontrava sob a guia da razão, subtraindo-se ao âmbito da magia. Curar é uma missão
que exige sempre mais do que a simples razão, mas por isso mesmo precisa da conexãoentre saber e poder, tem necessidade de pertencer ao campo da ratio. Inevitavelmente
levanta-se a questão da relação entre prática e teoria, entre conhecimento e agir, naFaculdade de Jurisprudência. Trata-se de atribuir a justa forma à liberdade humana, que
é sempre liberdade na comunhão recíproca: o direito é o pressuposto da liberdade, e não
o seu antagonista. Mas aqui levanta-se a questão: Como se individualizam os critérios de
justiça que tornam possível uma liberdade vivida em conjunto e favorecem o ser bomdo homem? Nesta altura, impõe-se dar um salto ao presente: É a questão do modo
como se pode encontrar uma normativa jurídica que constitua um ordenamento da
liberdade, da dignidade humana e dos direitos do homem. É a questão que nos ocupahoje nos processos democráticos de formação da opinião e que, ao mesmo tempo, nos
angustia porque problemática para o porvir da humanidade. Na minha opinião, JürgenHabermas exprime um vasto consenso do pensamento contemporâneo, quando afirmaque a legitimidade de uma carta constitucional, como pressuposto da legalidade,
derivaria de duas fontes: da participação política igualitária de todos os cidadãos e daforma razoável como são resolvidos os contrastes políticos. A propósito da referida"forma razoável", observa ele que a mesma não pode ser somente uma luta por maioriasaritméticas, mas há-de caracterizar-se como um "processo de argumentação sensível àverdade" (wahrheitssensibles Argumentationsverfahren). É uma afirmação correcta, masmuito difícil de transformar em prática política. Os representantes daquele público"processo de argumentação" são predominantemente como sabemos os partidosenquanto responsáveis pela formação da vontade política. Com efeito, estes terãoinfalivelmente em vista sobretudo a consecução de maiorias e, por conseguinte, olharãode maneira quase inevitável pelos interesses que prometem satisfazer; mas, taisinteresses muitas vezes são particulares e não favorecem verdadeiramente a comunidade. A sensibilidade pela verdade acaba incessantemente subjugada à sensibilidade pelos
interesses. Julgo significativo o facto de que Habermas fale da sensibilidade pela verdadecomo de um elemento necessário no processo de argumentação política, voltando assima inserir o conceito de verdade no debate filosófico e político.
Mas, então, torna-se inevitável a pergunta de Pilatos: O que é a verdade? E como
a reconhecemos? Se para isso se remete para a "razão pública", como faz Rawls, segue-se necessariamente a questão: O que é razoável? Como é que uma razão se demonstraverdadeira? De qualquer maneira, sobre esta base torna-se evidente que, na busca dodireito da liberdade, da verdade da justa convivência, devem ser ouvidas outras
instâncias diversas dos partidos e grupos de interesse, sem com isto quererminimamente contestar a importância destes. Voltamos assim à estrutura dauniversidade medieval. Ao lado da Faculdade de Jurisprudência, havia as Faculdades deFilosofia e de Teologia, às quais estava confiada a investigação sobre o ser homem nasua totalidade e, consequentemente, a missão de conservar viva a sensibilidade pelaverdade. Poder-se-ia mesmo afirmar que o sentido permanente e autêntico das duasFaculdades é este: serem guardiães da sensibilidade pela verdade, não permitirem que ohomem seja afastado da busca da verdade. Mas como é que elas podem corresponder aesta missão? Trata-se aqui de uma questão pela qual é necessário lutar incessantementesem nunca estar posta e resolvida de maneira definitiva. Estando assim as coisas, nem
sequer eu posso oferecer propriamente uma resposta, mas simplesmente um convitepara continuarem a caminhar com esta interrogação a caminhar com os grandes que, ao
longo de toda a história, lutaram e procuraram com as suas respostas e com a suainquietude pela verdade, que remete continuamente para além de cada uma das
Teologia e filosofia formam nisto um par de gémeos peculiar, não podendo
nenhuma das duas desligar-se totalmente da outra e, todavia, cada uma deve conservar a
própria tarefa e identidade. É mérito histórico de S. Tomás de Aquino face às diferentesrespostas dos Padres, em virtude do seu contexto histórico ter evidenciado a autonomia
da filosofia e, juntamente com ela, o direito e a responsabilidade própria da razão de se
interrogar com base nas suas forças. Diferenciando-se das filosofias neoplatónicas, onde
religião e filosofia se encontravam inseparavelmente entrelaçadas, os Padres tinhamapresentado a fé cristã como a verdadeira filosofia, ressaltando ainda que esta fé
corresponde às exigências da razão na sua busca da verdade; que a fé é o "sim" à
verdade, comparativamente às religiões míticas que se tinham tornado uma simplesrotina. Sucessivamente, porém, na época do nascimento da universidade, no Ocidente já
não existiam aquelas religiões mas somente o cristianismo, e assim era necessárioressaltar novamente a responsabilidade própria da razão, de modo que não fosseabsorvida pela fé. S. Tomás interveio num momento privilegiado: pela primeira vez, osescritos filosóficos de Aristóteles tornaram-se acessíveis na sua integridade; estavampresentes as filosofias hebraicas e árabes enquanto específicas apropriações eprolongamentos da filosofia grega. Assim o cristianismo, num novo diálogo com a razãodos outros que ia encontrando, teve que lutar em favor da sua própria razoabilidade. Designada "Faculdade dos Artistas", a Faculdade de Filosofia, que até então tinha sidosomente propedêutica à teologia, tornou-se agora uma verdadeira e própria Faculdade,um parceiro autónomo da teologia e da fé nela reflectida. Não é possível aquidemorarmo-nos sobre o fascinante confronto que daí resultou. Diria que a ideia de S. Tomás acerca da relação entre filosofia e teologia poderia ser expressa pela fórmulaencontrada pelo Concílio de Calcedónia para a cristologia: filosofia e teologia devemrelacionar-se entre si "sem confusão e sem separação". "Sem confusão" significa quecada uma delas deve conservar a própria identidade. A filosofia deve permanecer
verdadeiramente uma busca da razão na própria liberdade e na própria responsabilidade;deve ver os seus limites e, precisamente deste modo, também a sua grandeza e vastidão. A teologia deve continuar a beber num tesouro de conhecimento que não foi inventadopor ela, que sempre a supera e que, não podendo jamais ser totalmente esgotadomediante a reflexão, por isso mesmo leva o pensamento a começar sempre de novo. Mas, a par do dado "sem confusão", vigora também o dado "sem separação": a filosofianão recomeça cada vez do ponto zero do sujeito individual que pensa, mas vive nogrande diálogo da sabedoria histórica, que ela, crítica e ao mesmo tempo docilmente,
acolhe e desenvolve sempre de novo; mas também não deve fechar-se diante daquiloque as religiões e, de modo particular, a fé cristã receberam e transmitiram àhumanidade como indicação do caminho. Várias coisas, ditas por teólogos ao longo dahistória ou mesmo traduzidas na prática pelas autoridades eclesiais, foram demonstradascomo falsas pela história, e hoje confundem-nos. Mas, simultaneamente, é verdade que ahistória dos santos, a história do humanismo desenvolvido sobre a base da fé cristãdemonstra a verdade desta fé no seu núcleo essencial, tornando-a desta forma tambémum paradigma para a razão pública. Sem dúvida, muito do que dizem a teologia e a fé sópode ser assumido no âmbito da fé e, portanto, não pode apresentar-se como exigênciapara aqueles a quem esta fé permanece inacessível. Ao mesmo tempo, porém, resta
verdadeiro que a mensagem da fé cristã nunca é somente uma "comprehensive religiousdoctrine", no sentido de Rawls, mas uma força purificadora para a própria razão, que a
ajuda a ser cada vez mais ela mesma. Com base na sua origem, a mensagem cristãdeveria ser sempre um encorajamento à verdade e, consequentemente, uma força contra
a pressão do poder e dos interesses.
Pois bem, até agora falei somente da universidade medieval, procurando contudo
deixar transparecer a natureza permanente da universidade e da sua missão. Nos tempos
modernos, abriram-se novas dimensões do saber, que, na universidade, são valorizadassobretudo em dois grandes âmbitos: em primeiro lugar, nas ciências naturais, que se
desenvolveram com fundamento na conexão de experiência com a pressuposta
racionalidade da matéria; em segundo lugar, nas ciências históricas e humanistas, nas
quais o homem, perscrutando o espelho da sua história e esclarecendo as dimensões dasua natureza, procura compreender-se melhor a si mesmo. Neste desenvolvimento,
abriu-se à humanidade não apenas uma medida imensa de saber e poder; mas
aumentaram também o conhecimento e o reconhecimento dos direitos e da dignidadedo homem, e disto podemos apenas sentir-nos gratos. No entanto, o caminho do
homem jamais pode dizer-se completo, e o perigo de cair na desumanidade nunca estáesconjurado de todo: como se vê no panorama da história actual! O perigo do mundoocidental para falar somente dele é que o homem hoje, precisamente à vista da grandezado seu saber e do seu poder, desista diante da questão da verdade; significando isto aomesmo tempo que, no fim de contas, a razão cede face à pressão dos interesses e àatracção da utilidade, obrigada a reconhecê-la como critério derradeiro. Dito do pontode vista da estrutura da universidade: existe o perigo de que a filosofia, deixando de sesentir à altura da sua autêntica missão, se degrade em positivismo; que a teologia, com asua mensagem dirigida à razão, seja confinada na esfera privada de um grupo mais oumenos numeroso. Mas, se a razão ciosa da sua presumida pureza se torna surda à grandemensagem que lhe chega da fé cristã e da sua sabedoria, seca como uma árvore cujasraízes já não chegam às águas que lhes dão vida. Perde a coragem pela verdade; e destemodo não fica maior, mas menor. Aplicado à nossa cultura europeia, isto significa: se elaquiser autoconstruir-se unicamente com base no círculo das suas própriasargumentações e naquilo que de momento a convence e preocupada com a sua laicidade
se separa das raízes de que vive, então não se torna mais razoável nem mais pura, masdesagrega-se e fragmenta-se.
Assim, volto ao ponto de partida. O que é que o Papa tem a fazer ou a dizer na
universidade? Seguramente, não deve procurar impor de modo autoritário aos outros afé, a qual pode ser dada somente em liberdade. Para além do seu ministério de Pastor naIgreja e com base na natureza intrínseca deste ministério pastoral, é sua missão manterdesperta a sensibilidade pela verdade; convidar sempre de novo a razão a pôr-se àprocura da verdade, do bem, de Deus e, neste caminho, estimulá-la a entrever as luzes
úteis que foram surgindo ao longo da história da fé cristã e, assim, sentir Jesus Cristocomo a Luz que ilumina a história e ajuda a encontrar o caminho rumo ao futuro.
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