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Suplemento integrante da ADVOCEF em Revista | Ano IX | Nº 89 I Julho I 2010 O suplemento Juris Tantum rende homenagem ao escritor português José Saramago, Prêmio Nobel de 1998, recentemente falecido. Em dois textos, o autor aborda um de seus temas favoritos, a Justiça.
recusar o trabalho que as faria funcionar - uns riscos no chão, a espetar umas esta- ça de Deus a ideia de viajar um dia a estas as glândulas e as pessoas. Ao pé disto, cabe cas, a levantar uns muros de pedra, depois paragens para certificar-se de que as pesso- do que anunciaram que, a partir desse mo- as que por aqui mal vivem, e pior vão mor- prémio que castigo a puríssima inocência rendo, estão a cumprir de modo satisfatório que levou a nossa primeira mãe e o nosso o castigo que por ele foi aplicado, no come- primeiro pai a provarem do fruto da árvore ço do mundo, ao nosso primeiro pai e à nos- do conhecimento do bem e do mal. A verda- sa primeira mãe, os quais, pela simples e de, digam o que disserem autoridades, tan- vir a ser de morte, ou de prisão, ou de multa, to as teológicas como as outras, civis e mili- razão por que tinham sido feitos, foram sen- tares, é que, propriamente falando, não o se tivesse sabido porquê, e não falta quem tenciados, ela, a parir com esforço e dor, ele, chegaram a comer, só o morderam, por isso afirme que disto não poderão ser atiradas a ganhar o pão da família com o suor do seu Deus, aqueles nossos antigos parentes que terra donde, por um capricho divino, haviam sido tirados, pó que foi pó, e pó tornará a ser.
ros cometidos é o que se espera de qual- poliação e escutado o inaudito aviso, não Dos dois criminosos, digamo-lo já, quem veio quer pessoa bem nascida e de sólida for- só não protestaram contra o abuso com que a suportar a carga pior foi ela e as que de- mação moral, e Deus, tendo indiscutivel- fora tornado particular o que até então ha- pois dela vieram, pois tendo de sofrer e suar mente nascido de Si mesmo, está claro que tanto para parir, conforme havia sido deter- nasceu do melhor que havia no seu tempo.
era essa a irrefragável ordem natural das Por estas razões, as de origem e as adquiri- de de Deus, tiveram também de suar e so- das, após ter visto e percebido o que aqui por aquelas alturas. Diziam eles que se o frer trabalhando ao lado dos seus homens, se passa, não teve mais remédio que cla- simples verificação dos factos da vida pas- muitos milénios, não estava para a senhora em que tinha caído. É certo que, a seu crédi- toril, então é porque a natureza quer que ficar em casa, de perna estendida, qual rai- to, e para que isto não seja só um contínuo nha das abelhas, sem outra obrigação que a de desovar de tempos a tempos, não fos- irrespondível de que, quando Deus se deci- se ficar o mundo deserto e depois não ter diu a expulsar do paraíso terreal, por deso- bediência, o nosso primeiro pai e a nossa primeira mãe, eles, apesar da imprudente reunidos, de todas estas mulheres, de to- caso de recomendações e conselhos, per- falta, iriam ter ao seu dispor a terra toda, sistisse no propósito de vir até aqui, sem para nela suarem e trabalharem à vontade.
multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes dúvida acabaria por reconhecer como, afi- Contudo, e por desgraça, um outro erro nas fora mandado), cujo suor não nascia do tra- nal, é tão pouca coisa ser-se um Deus, quan- previsões divinas não demoraria a manifes- balho que não tinham, mas da agonia insu- tar-se, e esse muito mais grave do que tudo portável de não o ter, Deus arrependeu-se omnisciência e omnipotência, mil vezes exal- dos males que havia feito e permitido, a um tados em todas as línguas e dialectos, fo- ponto tal que, num arrebato de contrição, ram cometidos, no projecto da criação da povoada de filhos, filhos de filhos e filhos humanidade, tantos e tão grosseiros erros de netos da nossa primeira mãe e do nosso humano. Falando à multidão, anunciou: "A de previsão, como foi aquele, a todas as lu- primeiro pai, uns quantos desses, esqueci- partir de hoje chamar-me-eis Justiça." E a zes imperdoável, de apetrechar as pessoas dos de que sendo a morte de todos, a vida multidão respondeu-lhe: "Justiça, já nós a com glândulas sudoríparas, para depois lhes também o deveria ser, puseram-se a traçar temos, e não nos atende. Disse Deus: "Sen- do assim, tomarei o nome de Direito." E a dos pela necessidade a reclamar pão para vagando entre o sonho e o desespero, exis- multidão tornou a responder-lhe: "Direito, comer e terra para trabalhar, encontraram tem 4. 800.000 famílias de rurais sem ter- já nós o temos, e não nos conhece." E Deus: pela frente a polícia militarizada do tempo, ras. A terra está ali, diante dos olhos e dos "Nesse caso, ficarei com o nome de Cari- armada de espadas, lanças e alabardas.
dade, que é um nome bonito." Disse a Ao contrário do que geralmente se preten- multidão: "Não necessitamos caridade, o de fazer acreditar, não há nada mais fácil não pode lá entrar para trabalhar, para vi- pra e um Direito que nos respeite." Então, ver com a dignidade simples que só o tra- balho pode conferir, porque os voracíssimos seu, o lugar de majestade que havia imagi- meiro haviam dito: "Esta terra é minha", e nado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha sido vítima de enganos, estado de Rondônia, 600 famílias de cam- ingénuos para acreditar que era suficiente tê-lo dito, esses rodearam a terra de leis do as mulheres, os homens e as crianças, que os protegem, de polícias que os guar- e, humilhado, retirou-se para a eternidade.
atacadas por tropas da polícia militarizada.
A penúltima imagem que ainda viu foi a de Durante o cerco, que durou todo o resto da espingardas apontadas à multidão, o pe- tar. Os 19 mortos de Eldorado dos Carajás disparos, mas na última imagem já havia polícia, fardada e encapuçada, de cara pin- última gota de sangue do longo calvário corpos caídos sangrando, e o último som tada de preto, e com o apoio de grupos de que tem sido a perseguição sofrida pelos estava cheio de gritos e de lágrimas.
assassinos profissionais a soldo de um la- tifundiário da região, invadiu o acampa- ção contínua, sistemática, desapiedada, brasileiro do Pará, perto de uma povoação mento. varrendo-o a tiro, derrubando e in- como pode ser sarcástico o destino de cer- para Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Pará avam a estrada em acção de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expro- ra brasileira aproveitável, em laboriosa e priação de terras, como parte do esboço acidentada gestação, alternando as espe- ou simulacro de uma suposta reforma agrá- ranças e os desânimos, desde que a Cons- ria na qual, entre avanços mínimos e dra- tituição de 1946, na sequência do movi- máticos recuos, se gastaram já cinquenta dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais ri- goroso dizer sobrevivência) dos trabalha- entre eles uma menina de 7 anos, atingida pelas costas quando fugia. Dois polícias as feridas. Passados três meses sobre este bandeira de eleições, essa negaça de vo- sangrento acontecimento, a polícia do es- A superfície do Brasil, incluindo lagos, tado do Pará, arvorando-se a si mesma em ir mais longe que as quatro últimas presi- poderia ser a parte acusada, veio a público superfície, uns 400 milhões de hectares, é trabalhadores rurais e que, decorridos os agido em legítima defesa, e, como se isto hectares estão a ser utilizados na cultura 140.000 tinham sido instaladas; será sufi- regular de grãos. O restante, salvo as áreas ciente recordar que o presidente Fernando que têm vindo a ser ocupadas por explora- tenção ilegal de armas. O arsenal bélico ções de pecuária extensiva (que, ao con- tar 500.000 famílias, e nem uma só o foi; dos manifestantes era constituído por três trário do que um primeiro e apressado exa- será suficiente lembrar que o presidente pistolas, pedras e instrumentos de lavoura Itamar Franco garantiu que faria assentar 100.000 famílias, e só ficou por 20.000; sabemos que, muito antes da invenção das será suficiente dizer, enfim, que o actual primeiras armas de fogo, já as pedras, as improdutividade, de abandono, sem fruto.
foices e os chuços haviam sido considera- dos ilegais nas mãos daqueles que, obriga- gem e esta realidade social e económica, forma Agrária irá contemplar 280.000 fa- mílias em quatro anos, o que significará, poderá esperar mais. Entretanto, a polícia se tão modesto objectivo for cumprido e o irão ser necessários, segundo uma opera- ção aritmética elementar, setenta anos levou-o Deus quando se retirou para a eter- Prefácio do livro/CD "Terra", lançado pela nidade, porque não tinha servido de nada mílias de trabalhadores rurais que preci- pô-lo ali. Agora, no lugar dele, fala-se em fotos de Sebastião Salgado e canções de sam de terra e não a têm, terra que para colocar quatro enormes painéis virados às eles é condição de vida, vida que já não quatro direcções do Brasil e do mundo, e Da justiça à democracia, passando pelos sinos lesado tinha começado por protestar e re- brevíssimas palavras um facto notável da clamar, depois implorou compaixão, e fi- nalmente resolveu queixar-se às autorida- arredores de Florença há mais de quatro- des e acolher-se à protecção da justiça.
centos anos. Permito-me pedir toda a vos- Tudo sem resultado, a expoliação conti- justiça pedestre, uma justiça companhei- sa atenção para este importante aconteci- nuou. Então, desesperado, decidiu anunci- mento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do rigoroso sinónimo do ético, uma justiça episódio não terá de esperar o fim do rela- nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pen- que chegasse a ser tão indispensável à to, saltar-vos-á ao rosto não tarda.
sasse que o seu gesto de exaltada indigna- felicidade do espírito como indispensável ção lograria comover e pôr a tocar todos os à vida é o alimento do corpo. Uma justiça ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada sinos do universo, sem diferença de raças, exercida pelos tribunais, sem dúvida, sem- pre que a isso os determinasse a lei, mas de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Na- finados pela morte da Justiça, e não se ca- fosse a emanação espontânea da própria de algo sucedido no século XVI) os sinos lariam até que ela fosse ressuscitada. Um sociedade em acção, uma justiça em que tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de es- perativo moral, o respeito pelo direito a saltando por cima das fronteiras, lançan- lancolicamente a finados, e isso, sim, era res, por força haveria de acordar o mundo apenas para planger aqueles que morriam.
vias de passamento. Saíram portanto as mu- pois, não sei se o braço popular foi ajudar o do dia e da noite, para chamar à festa ou à lheres à rua, juntaram-se as crianças, dei- sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a não tão distante assim, em que o seu to- Justiça havia sido declarada defunta, re- dos reunidos no adro da igreja, à espera de para acudir às catástrofes, às cheias e aos alma sucumbida, à triste vida de todos os incêndios, aos desastres, a qualquer peri- rar. O sino ainda tocou por alguns minutos dias. É bem certo que a História nunca nos mais, finalmente calou-se. Instantes depois papel social dos sinos encontra-se limita- do ao cumprimento das obrigações rituais encarregado de tocar habitualmente o sino, rença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso perguntado onde se encontrava o sineiro e de polícia. Outros e diferentes são os sinos quem era o morto. "O sineiro não está aqui, Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aque- eu é que toquei o sino", foi a resposta do le fúnebre dobre da aldeia de Florença, camponês. "Mas então não morreu nin- mas a Justiça continuou e continua a mor- guém?", tornaram os vizinhos, e o campo- rer todos os dias. Agora mesmo, neste ins- daquela justiça que é condição da felicida- nês respondeu: "Ninguém que tivesse de do espírito e até, por mais surpreenden- lado, à porta da nossa casa, alguém a está te que possa parecer-nos, condição do pró- pela Justiça porque a Justiça está morta." prio alimento do corpo. Houvesse essa jus- se afinal nunca tivesse existido para aque- tiça, e nem um só ser humano mais morre- ria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros.
há tempos a mudar de sítio os marcos das todos temos o direito de esperar: justiça, Houvesse essa justiça, e a existência não estremas das suas terras, metendo-os para volve em túnicas de teatro e nos confun- de, a condenação terrível que objectiva- de com flores de vã retórica judicialista, significaria, nas circunstâncias sociais e po- palhando, cada vez mais forte, por todo o líticas específicas do tempo, e segundo a mundo são os múltiplos movimentos de re- expressão consagrada, um governo do povo, que não nos deixa ver a nudez crua dos fac- sistência e acção social que pugnam pelo pelo povo e para o povo? Ouço muitas ve- zes argumentar a pessoas sinceras, de boa como se se tratasse de algo vivo e actuante, distributiva e comutativa que todos os se- fé comprovada, e a outras que essa aparên- cia de benignidade têm interesse em simu- conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de mis- protectora da liberdade e do direito, não de indesmentível o estado de catástrofe em sa laica. E não nos apercebemos, como se que se encontra a maior parte do planeta, para isso não bastasse ter olhos, de que os que para essa justiça dispomos já de um será precisamente no quadro de um siste- código de aplicação prática ao alcance de ma democrático geral que mais probabili- qualquer compreensão, e que esse código dades teremos de chegar à consecução ple- tanto os primeiros responsáveis, se vão tor- se encontra consignado desde há cinquenta na ou ao menos satisfatória dos direitos nando cada vez mais em meros "comissári- anos na Declaração Universal dos Direitos os políticos" do poder económico, com a Humanos, aqueles trinta direitos básicos e de que fosse efectivamente democrático o objectiva missão de produzirem as leis que sistema de governo e de gestão da socieda- fala, quando não sistematicamente se si- volvidas no açúcares da publicidade oficial mocracia. E não o é. É verdade que pode- e particular interessada, serem introduzidas nestes dias do que o foram, há quatrocen- mos votar, é verdade que podemos, por de- legação da partícula de soberania que se dos protestos, salvo os de certas conheci- das minorias eternamente descontentes.
dito que a Declaração Universal dos Direi- normalmente por via partidária, escolher os tos Humanos, tal qual se encontra redigida, fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfe- uma vírgula, poderia substituir com vanta- go, tudo se discute neste nosso mundo. Mas gem, no que respeita a rectidão de princípi- os e clareza de objectivos, os programas de dado definitivamente adquirido se tratas- todos os partidos políticos do orbe, nomea- se, intocável por natureza até à consuma- ção dos séculos, esse não se discute. Ora, anquilosados em fórmulas caducas, alhei- se não estou em erro, se não sou incapaz os ou impotentes para enfrentar as realida- de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispen- olhos às já evidentes e temíveis ameaças sáveis, é urgente, antes que se nos torne que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginá- vamos ser a suprema aspiração dos seres da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as termos aos partidos políticos em geral, as verdade, enfim, que da relevância numéri- económico e financeiro mundial, sobre aqui- aplico por igual aos sindicatos locais, e, em ca de tais representações e das combina- lo que afirma e aquilo que nega a democra- consequência, ao movimento sindical inter- ções políticas que a necessidade de uma cia, sobre o direito à felicidade e a uma exis- maioria vier a impor sempre resultará um tência digna, sobre as misérias e as espe- governo. Tudo isto é verdade, mas é igual- te, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, respon- acção democrática começa e acaba aí. O sável pelo adormecimento social decorren- eleitor poderá tirar do poder um governo que juntos. Não há pior engano do que o daque- te do processo de globalização económica não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas le que a si mesmo se engana. E assim é que em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não o seu voto não teve, não tem, nem nunca poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a terá qualquer efeito visível sobre a única e acrescentar algo da minha lavra particular real força que governa o mundo, e portanto nas uma palavra para pedir um instante de às fábulas de La Fontaine, então direi que, o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obvia- silêncio. O camponês de Florença acaba de se não interviermos a tempo, isto é, já, o mente, ao poder económico, em particular subir uma vez mais à torre da igreja, o sino rato dos direitos humanos acabará por ser com estratégias de domínio que nada têm Carta dirigida ao 2º Fórum Social Mundial, realizado em Porto Alegre, de uns atenienses ingénuos para quem ela definição, a democracia aspira. Todos sa- IV Julho | 2010
As matérias publicadas neste suplemento são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
O encarte pode ser acessado, na íntegra, no site da ADVOCEF (menu Publicações).

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Am. J. Trop. Med. Hyg., 70(6), 2004, pp. 635–637Copyright © 2004 by The American Society of Tropical Medicine and HygieneSHORT REPORT: HIGH PREVALENCE OF MULTIDRUG-RESISTANT PLASMODIUM FALCIPARUM MALARIA IN THE FRENCH TERRITORY OF MAYOTTEFRANC¸OIS PETTINELLI, MARIE-EDITH PETTINELLI, PHILIPPE ELDIN DE PE´COULAS, JULIE MILLET,DELPHINE MICHEL, PHILIPPE BRASSEUR, AND PIERRE DRUILHE Cen

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