BioÉtica e cuidado do bem-estar humano:

BIOÉTICA E CUIDADO DO BEM-ESTAR HUMANO:
ÉTICA, HUMANIZACAO E VOCACAO COMO DESAFIO
PARA OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Resumo: a bioética vem se tomando um grande lance de eperanca na contemporaneidade em relacao ao resgate da dignidade do ser humano e ao impulsionar acoes de cuidado deste ser fragilizado pela doenca e pelo sofrimento no ámbito da saude. Fala-se muito hoje da desumanizacao das instituicoesde saude, numa sociedade desumanizada e desumanizante. A humanizacao dos cuidados de sau'depassa obrigatoriamente pela humanizacao deste universo maíor condicionante da sociedade. Num contexto de crescente tecnologizacao do cuidado, é urgente o resgate de uma visao antropológica holística, do ser humano nas suas várias dimensoes, ou seja, fisica, social, psíquica, emocional e espiritual. BIOÉTICA E CUIDADO DO BEM-ESTAR HUMANO:
ÉTICA, HUMANIZACAO E VOCACAO COMO DESAFIO
PARA OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Nao há riqueza major que a saride do corpo, nem contentamento maior que a alegria do coracao. É melhor a morte do que uma vida amarga e o descanso eterno, mais que uma doenca prolongada. (Eclesiástico 30, 16-17) Oscorpos nao sofrem; aspessoas sofrem. (Eric Casad) Numa primeira aproximacao diante da questáo da humanizacao no contexto da saúde, aproximemo-nos da dor e do sofrimento humanos no contexto hospitalar. A constatacao inicial é que passamos por uma profunda crise de humanismo. Falamos insistentemente de ambientes desumanizados, tecnicamente perfeitos, mas sem alma e ternura humana. A pessoa humana vulnerabilizada pela doenca, deixou de ser o centro de atencoes e passa a ser instrumentalizada em funcao de um determinado fim, que pode ser transformada em objeto de aprendizado, o status do pesquisador, ou ser cobaia de pesquisa, só para citar algumas situacoes que comprometem a verdade ética de que as coisas tem preco e podem ser trocadas, * Doutor cm Teologia Moral pela Ponuficia Faculdade de Teologia N. Sra. Da Assuncao, Sáo Paulo. Pos-graduado cm Clinical Pastoral Education aud Bioethics pelo St. Luke's Medical Center Cm Milwaukee, EUA. Membro da Diretoria da Associacao Intemacional de Bioética, representando o Brasil (2001-2005). * Doutor cm Teologia Moral pela Ponuficia Faculdade de Teologia N. Sra. Da Assuncao, Sáo Paulo. Pos-graduado cm Clinical Pastoral Education aud Bioethics pelo St. Luke's Medical Center Cm Milwaukee, EUA. Membro da Diretoria da Associacao Intemacional de Bioética, representando o Brasil (2001-2005). mudadas e comercializadas, mas as pessoas tém uma dignidade que deve ser respeitada! A manipulacao, enfim, sutilmente se faz presente e rouba aquilo que é mais precioso da vida humana - sua dignidade. Acreditamos que ante este cenário gerador de sofrimento podemos implementar uma política de assistência e cuidado que honrem a dignidáde do ser humano doente. Nos limites de um texto introdutório it problemática em tela, nosso roteiro tem como partida uma análise contextual da realidade hospitalar, apresenta alguns dados preocupantes em relacao it dor na realidade brasileira, segue analisando o fenómeno da tecnologizacao do cuidado que transforma a dor e o sofrimento humano num mero problema técnico, aprofunda a problemática no contexto clínico, propondo uma distincao entre dor, que se situa mais no ámbito físico e no sofrimento que atinge o todo da pessoa. Avanca realcando a necessidade de uma visio antropológica holística que valoriza as diversas dimensoes do fenómeno dorisofrimento, ou seja, a dimensao física, psíquica, social e espiritual. Em termos de assisténcia de saúde, enfatiza a necessidade imperiosa de cuidado solidário que une competência técnico-científica e humanidade, sobretudo naquelas situacoees extremas na fronteira entre a vida e a morte. AS CATEDRAIS CONTEMPORÁNEAS DA SAUDE E DO SOFRIMENTO HUMANO Facamos inicialmente uma rápida viagem até a Idade Média e entremos numa catedral. Visible à distancia, emblema da cidade a catedral é na realidade o coracao de um vasto conjunto de múltiplas funcoes: centro religioso intelectual, economico caritativo, artístico, uma cidade sagrada e simbólica centro da cidade. Lugar dos principais centros e nós de organizacao do espapo urbano e do urbanismo (com suapraca), elis é também um centro do poder, objeto de conflitos [.] (BRANDENBURG apud LE GOFF; SCHMITT, 2000, p. 184). A catedral era ao mesmo tempo símbolo, centro e sintese da história da cidade. Em volta e dentro deste templo, viviam-se e reviviam-se todos os acontecimentos felizes, tristes e doloridos daquele povo. Diante de suas portas, realizavam-se os teatros que cantavam a vida da populacao it luz de seus valores culturais e religiosos. Os vitrais, como os outdoors de hoje, eram catecismos coloridos de suas crencas. Todas as corporacoes celebravam na catedral o dia do seu padroeiro bem como suas reunióes de rotina. A vida, as festas, as alegrias, as tristezas, a morte, as esperancas, enfim, a vida do nascer ao morrer era celebrada dentro daquele edificio sagrado, a catedral, verdadeiro orgulho de todos. Em nossa civilizacao contemporánea, a catedral da cidade está sendo substituida por outros tipos de templos sagrados, por novos tipos de catedrais. E o caso das catedrais do esporte, que sao os grandes estádios; as catedrais da riqueza, que sao os bancos; as catedrais do lazer, que sao os grandes parques de entretenimento e diversoes; as catedrais do prazer, que sao as casas notumas requintadas e os motéis luxuosos; as catedrais do trabalho, que sao as fábricas e empresas prestadoras de servico; as catedrais do saber, que sao as universidadés. E no meio de tantos novos templos, eis que surgemas catedrais da saúde, que sao os hospitais. Dentro de um hospital, como nas antigas catedrais, recapitulam-se todas as fases da vida do ser humano. O nascimento, com suas festas e esperancas, as doencas, a restauracao da saúde, a cura, as pesquisas na busca de novos medicamentos, as cruzadas das campanhas preventivas, as vigilias nas UTIs - as corporacoes ou as equipes profissionais combatendo o 'inimigo' infecao, oracoes e meditacoess nos oratórios e/ou capelas, sem esquecer do silêncio e a inquietude em momentos de despedida de vida. É importante termos uma visao histórica de como era esta institucao até recentemente e que passou por transformacoes radicais ao longo do século XX. A narrativa de Foucault (1979, p. 101), é simplesmente contundente: Antes do século XVIII, o hospital era essencialmente uma institucao de assistência aos pobres. Institucao de assistência, como também de separa tao e exclusao. O pobre como pobre tem necessidade de assistência e, como doente, portador de doenca e depossivel contágio, é perigoso. Por estas razoes, o hospital deve estar presente tanto para acolhé-lo quanto para proteger Os Ontros doperigo que ele encama. Opersonagem ideal do hospital, até o século XVIII, nao éo doente que é preciso curar, mas o pobre que está morrendo. É alguém que deve ser assistido material e espiritualmente, alguém a quem se deve dar os ultimos cuidados e o ultimo sacramento. Esta é a funcao essencial do hospital. Dizia-se correntemente, nesta época, que o hospital era um morredouro, um lugar onde morrer. Passar de uma institucao onde se vai para morrer, para uma institucao onde se cuida e se aprimora a saúde, exigiu muito tempo e descóbertas científicas. Entremos no hospital, essa institucao é um pequeno microcosmo do grande macrocosmo (sociedade), isto é, nele encontramos em dose concentrada um resumo do que de mais nobre, mais bonao e incrível encontramos na sociedade, bem como o que de mais triste, degradante e violento nela existe. Ele aceita todos indiscriminadamente. Nele nos defrontamos com a realidade nua e crua, sem disfarces ou máscaras, que caem por terra sem pedir licenca. É uma realidade contrastante que nos questiona. Nele nos defrontamos com o santo e o bandido, o crente e o ateu, a crianca que apenas exalou o primeiro vagido de chegada e que se toma um grito de adeus e o velhinho que, no vigor dos seus noventa anos, ainda luta para viver e de fato vive . e que alguns dias após a alta, volta ao hospital para agradecer e distribuir um ‘presentinho’ aos que dele cuidaram. Em situacoes de emergência, chega no pronto-socorro alguém que fez tudo para tirar a própria vida numa tentativa frustada de suicidio e nós, profissionais da saúde, somos chamados a fazer o possível e o impossivel para que ele continue a viver. Tantas jovens mulheres querendo ser mites, e por problemas de esterilidade nao podem e, de outro lado, outras, sendo férteis, desperdicam vidas e em muitas circunstitncias morrem no processo. Trata-se de uma realidade simplesmente paradoxal. É um contraste chocante, provocador de indignacao ética em muitas instáncias, mas que nos convoca a sermos arautos do cuidado da vida marcáda pela dor e pelo sofrimento. Ninguém vai ao hospital por prazer ou para tirar férias e muito menos para passear. Trata- se de uma necessidade de preservacao da própria vida. É nesse contexto que sempre temos a presenca inoportuna da dor e dó sofrimento que nos provocam profundamente como seres humanos e como profissionais da saúde. Uma das situacoes criticas do cuidado da vida é quando esta é marcada por dor e sofrimento intoleráveis e sem perspectivas, provocados por determinada doenca séria de características mortais. Este é um dos motivos pelos quais muitas vezes a opcao pela eutanásia toma-se atrativa, no sentido de abreviar a vida intencionalmente por causa da dor e do sofrimento. É muito freqilente ouvir nas UTIs e nos corredores do hospital pacientes que verbalizam em alto e bom tom que nao temem tanto a morte em si mesma, mas sim a dor e o sofrimento do processo do morrer. O cuidado da dor e do sofrimenro é a chave para o resgate da dignidade do ser humano neste contexto critico e é um dos objetivos da medicina desde tempos imemorlais. A problemática da dor e do sofrimento nao é pura e simplesmente uma questao técnica, para além disso estamos diante. de uma das questoes éticas contemporáneas de primeira grandeza e que precisa ser vista e enfrentada nas suas .dimensoes física, psíquica social e espiritual. Finalmente, veremos, que no Brasil estamos ainda numa fase bastante rudimentar em relacao ao cuidado da dor no sistema de sau' de. Existe muita dor nao aliviada e a esperanca está na irsteryencao nas escolas de formacao dos profissionais da saúde, na reformulacao curricular, que contemple esta visao antropológica além da formacao tecno-científica necessária, e na implementacao da filosofia dos cuidados paliativos, em nivel institucional ou domiciliar, ante aquelas situacoes em que curar nao é mais possivel. Falamos aqui no cuidado do sofrimento terminal da vida humana. Vejamos a seguir como a dor é tratada no contexto de saúde brasileiro. ALGUNS DADOS SOBRE DOR NA REALIDADE BRASILEIRA O contexto da assisténcia médica em nosso país é ainda caracterizado em muitos segmentos populares por uma cultura que cheira o conformismo dolorista ('é assim mesmo') da sociedade enquanto tal. Num ethos social marcado por desigualdade e exciusao, heranca de nosso periodo de escravidao, 'o pobre tem que sofrer', e o crente nao menos, para 'ganhar o céu'. Este manto dolorista que acaba sacralizando a desigualdade sociopolítica e cultural felizmente vai desaparecendo aos poucos. Alguns sinais positivos já comecam a surgir no contexto clínico brasileiro. Foi criada em 1997, no ámbito do Ministério da Saúde, um Programa Nacional de Educacao Continuada cm Dor e Cuidados Paliativos para os Profissionais da Saúde1. O que entender por dor? A palavra 'dor' origina-se do latim dolore. Os dicionários costumam defini-la como impressao desagradável ou penosa, decorrente de alguma lesao ou contusao ou de um estado anormal do organismo ou de parte dele. A Associacao Intemacional para o Estudo da Dor conceituou cientificamente a dor como "uma experiencia sensorial e emocional desagradável, associada a lesoes reais ou potenciais, ou descrita em termos de tais lesoes" (FIGUEIRÓ, 2000, p. 12). O tema dor é geralmente negligenciado pelos profissionais e educadores da área da saúde que elaboram os currículos de formacao dos futuros profissionais da área. Segundo especialistas da área, existem basicamente dois tipos de dor: as agudas e as crónicas. A dor aguda geratmente está associada a algum tipo de lesao corporal e tende a desaparecer logo que esta melhora. A dor crónica é aquela que perdura por mais de seis meses. É áquela que persiste além do tempo razoável e esperado para a cura de uma lesao, ou que está associada a doencas crónicas, causadoras de dor continua, ou que retoma cm intervalos de meses ou anos. Estudos epidemiológicos sobre ocorrência e etiologia dos quadros álgicos sao poucos, e o conhecimento sobre o tema ainda ébastante primário no Brasil. Sabe-se, porém, que a dor é a razao principal pela qual 75-80% das pessoas procuram o sistema primário de saúde. A dor crónica acomete parcela significativa da populacao brasileira e aponta-se como sendo a principal causa de falta ao trabalho, licencas médicas, aposentadorias por doenca, indenizacoes trabalhistas e baixa produtividade. No Brasil, 6 dos 11 medicamentos campeóes de venda no ano de 1998 foram analgésicos elou antunflamatórios (FIGUEIRÓ, 2000, p. 45). As dores oncológicas representam 5% das dores crónicas. Estima-se que 18 muhoes de pessoas no mundo apresentem cáncer diagnosticado atualmente, e a dor é um problema comum nestes pacientes. Os estudos te'm apontado que a dor oncológica nao tem sido adequadamente controlada, nao por falta de recursos terapeuticos, mas por avaliacao imprecisa do quadro de dor e utilizacao inadequada do arsenal antiálgico disponível. Estudos nas unidades de cuidados paliativos e cáncer da Organizacao Mundial da Saúde (OMS) mostram que 4,5 milhóes de pacientes em paises em desenvolvimento e desenvolvidos morrem anualmente sem receber tratamento da dor e sem considerar os outros sintomas que sao tao prevalecentes quanto á dor e que também causam sofrimento. Em suma, a dor ainda nao recebe a atencao devida na assistência á satide em nosso país. Necessitamos de programas de educacao em relacao a esta problemática para doentes, familiares, médicos, farmaceuticos, enfermeiros, psicólogos, assistenres sociais e outros profissionais. O desafio para a comunidade científica, para os profissionais da saúde e para toda a sociedade é a elaboracao de um programa especial sobre esta questao nos currículos de formacao deles. O tema dor deve ser discutido e esclarecido para que haja uma melhor compreensao e prevencao de sua presenca, bem como seu controle (O MUNDO, 1988, p. 59; PIMENTA; SOIZUMI; TEIXEIRA, 2002). Esres prógramas de educacao devem fundamentar-se em alguns principios, que  Visao da dor nas suas diferentes dimensoes - a dor é uma experiência em que aspectos biológicos, emocionais e culturais estao ligados de modo indivisível e no seu ensino deve-se prover informacao para que estes aspectos possam ser adequadamente considerados, investigados e abordados. As intervencoes terapeuticas devem sempre que posslvel atuar na causa da dor, sendo desejáveis as terapias que interfiram pouco na fisiologia e no comportamento normal do individuo, que sejam pouco complexas, menos dispendiosas e com mínimo potencial de complicacoes e efeitos adversos.  Valores éticos e a importáncia da qualidade de vida - a valorizacao da qualidade de vida da pessoa frágil pela dor e pelo sofrimento e que talvez esteja enfrentando o adeus á vida; e o respeito pela dignidade do ser humano, bem como sensibilidade no processo de tomada de decisoes terapeuticas, devem permear toda a atividade de ensino, pesquisa e assisténcia.  Presenca de equipe multidisciplinar - a experiência assistencial representa a possibilidade de integracao dos conceitos que envolvem o estudo da dor e de seu manejo. O treinamento deve incluir o atendimento aos doentes com dor realizado por todos os profissionais de saúde de forma integrada. Entre os principios que devem alicercar os programas educacionais da área da saúde em dor devem ser acrescentados os conceitos da filosofia de cuidados paliativos que visam cuidar da dor e do sofrimento dos pacientes fora de posibilidades terapêuticas. As escolas médicas, em geral, tem a graduacao beseada no famoso relatório Flexner, datado de 1912, que fundamenta o ensino da medicina com uma visao biocentrica/tecnocentrica. O corpo humano é estudado por partes e a doenca é vista como sendo o mau funcionamento dos mecanismos biológicos, estudados sob o ponto de vista da biologia molecular e celular. O objetivo da acao médica é inrervir física ou quimicamente para normalizar o funcionamento da unidade esfacelada. A finalidade da escola médica era formar estudiosos em doencas, especialmente especialistas que atuassem em hospitais, e nao capacitar os profissionais para cuidar de doentes. Tal modelo resulta numa visao reducionista da pessoa como um todo. A preocupacao atual da relacao entre as condicoes psicossocioculturais na expressao e na solucao de questóes de saúde implicou a inclusao de um conceito sociocéntrico na educacao básica. Essa deve desenvolver-se na organizacao de currículos com fundamentacao antropocéntrica, ou seja, competentes para formar profissionais capazes de contribuir para o benestar físico, psíquico e social dos doentes2. Passamos a seguir a considerar a questao que fundamentalmente tem um componente ético, mas que a ideologia a um mero problema técnico. A DOR E O SOFRIMENTO COMO PROBLEMA TÉCNICO Vivemos numa sociedade dominada pela analgesia, em que fugir da dor é o caminho racional e normal. Á medida que a dor e a morte sao absorvidas pelas instituicoes de saúde, as capacidades de enfrentar a dor, de insen-la no ser e de vivé-la sao retiradas da pessoa. Ao ser tratada por drogas, a dor é vista medicamente como um barulho de disfuncionamento nos circuitos fisiológicos, sendo despojada de sua dimensao existencial subjetiva. Claro que esta mentalidade retira do sofrimento seu significado Intimo e pessoal e transforma a dor em problema técnico. Diz-se que hoje temos a chamada trindade farmacológica da felicidade, no nivel físico-corporal, psíquico e sexual, que está disponivel a conta-gotas nas prateleiras das farmácias, a um custo razoável. O xenical - para emagrecimento e para a busca da felicidade do corpo escultural; o prozac - para livrar-se dos incómodos da depressao e da busca do bem-estar psíquico, e o viagra, que liberta do fracasso e da vergonha da disfuncao eréctil (impotência) para proporcionar o prazer e a felicidade sexual. Nao possuimos mais hoje os místicos de outrora, que atribulam á dor um sentido e ao sofrimento uma razao de ser. Estamos numa sociedade secularizada em que o sofrer nao tem sentido, e por isso somos incapazes de perceber o sentido do sofrimento. As culturas tradicionais tomam o homem responsável por seu comportamento sob o impacto da dor, sendo que hoje é a sociedade industrial que responde diante da pessoa que sofre, para livrá-la desse incómodo. Em meio medicalizado, a dor perturba e desnorreia a vitima, obrigando-a a entregar-se ao tratamento. Ela transforma em virtudes obsoletas compaixao e solidariedade, fonte de reconforto. Nenhuma intervencao pessoal pode mais aliviar o sofrimento. Só quando a faculdade de sofrer e de aceitar a dor foi enfraquecida é que a intervencao analgésica tem efeito previsto. Nesse sentido, a geréncia da dor pressupóe a medicalizacao do sofrimento. Segundo Illich (1975, p. 140), o médico e seu cliente, por viverem numa sociedade que valoriza a anestesia, aprendem a "abafar a interrogacao inerente a toda a dor". Numa sociedade analgésica, parece razoável se libertar dos incómodos impostos pela dor, mesmo que isso custe a perda da independéncia. Á medida que a analgesia domina, o comportamento e o consumo fazem declinar toda a capacidade de enfrentar a dor, índice da capacidade de viver. Ao mesmo tempo, diminui a faculdade de desfrutar prazeres simples e estimulantes fracos. Serao necessários estimulantes cada vez mais poderosos para dar ás pessoas a impressao de que estao plenamente vivas. Fala-se aqui de esquizoalgia, significando o sintoma de supermedicalizacao, destruicao iatrogénica do poder de sofrer. Gestao técnica da dor, que enfraquece e expropria. A medicalizacao penetra fundo em nossas vidas e constitui um dos dominios em que o poder da técnica foi mais acolhido e menos contestado. Cada pessoa toma-se um hóspede potencial dos hospitais, um paciente quase certo de determinadas cirurgias, um freqúentador asslduo de consultórios e ambulatórios. Se, antes, freqúentar um hospital era sinaí de pobreza (local de concentracao de indigentes), hoje os hospitais e clínicas sao indicadores de desenvolvimento económico e social, lugares em que as pessoas tém obrigacao quase moral de freqüentar (RODRIGUES, 1983, p. 221ss). Nesse sentido, a dor foi transformada em problema de economia política. A pessoa toma- se um consumidor de anestesias e se lanca á procura de tratamentos que determinam insensibilidade, inconsciéncia, abulia e apatia provocadas artificialmente. Toda dor évista como resultado de tecnologia faltosa, de legislacao injusta ou auséncia de medicina analgésica. A heteronomia da dor transforma-a em demanda aguda de medicamentos, hospitais, servicos de saúde mental e outros cuidados profissionais. Por este caminho da medicalizacao da vida biológica e psíquica, os problemas cruciais sao despojados de suas dimensoes sociais, sao despolitizados, e apresentam-se como questoes particulares e individuais, que uma visita a um especialista renomado, um bom calmante, um passeio ou um regime alimentar na base dos diets e lights podem resolver. Isso é muito importante de ser levado em conta, sobretudo numa realidade de América Latina, em que temos 'dor e sofrimento sociais' provocados por um sistema socloeconómico excludente em plena era de globalizacao económica3. Levando em conta este contexto macro, voltemo-nos agora ao contexto micro, ou seja, a realidade clínica, fazendo um distincao entre a dor e o sofrimento humanos causados pelas enfermidades. A DOR E O SOFRIMENTO HUMANOS NO CONTEXTO CLÍNICO A cura da doenca e o alivio do sofrimento, desde o nascedouro da medicina hipocrática, sao aceitos como sendo os objetivos da medicina. A doenca destrói a integridade do corpo, a dor e o sofrimento podem ser fatores de desintegracao da unidade da pessoa. Enquanto hoje a medicina está até que bem aparelhada para combater a dor, no que tange ao lidar com o sofrimento, encontra-se ainda num estágio bastante rudimentar (CARE., 1993, p. 27-39). Ganha sempre mais importáncia e até uma certa popularidade nos meios científicos que lidam com pacientes terminais a distincao entre dor e sofrimento. Resulta disso a necessidade de estabelecer claro as definicoes e distincoes necessárias ao tratarmos da problemática. Cassel afirma que "o sofrimento ocorre quando existe a possibilidade de uma destruicao eminente da pessoa, continua até que a ameaca de desintegracao passa ou até que a integridade da pessoa é restaurada novamente de outra maneira." Aponta que "sentido e a transcendência" oferecem duas pistas de como o sofrimento associado com a destruicao de uma parte da personalidade pode ser diminuido. Dar um significado á condicao sofrida, freqúentemente, reduz ou mesmo elimina o sofrimento associado a ela. A transcendéncia é provavelmente a forma mais poderosa na qual alguém pode ter sua integridade restaurada, após ter sofrido a desintegracao da personalidade4. Em relacao á dor, constata-se que a grande parte dos profissionais da saúde nao sabem o que significa dor quando falam nela. A dor tem duas características importantes, a primeira é que estamos diante de um fenómeno dual: de um lado, a percepcao da sensacao e, de outro, a resposta emocional do paciente a ela. A segunda característica é que a dor pode ser sentida como aguda, e, portanto, passageira, ou crónica, e, conseqúentemente, persistente. A dor aguda tem um momento definido de inicio, sinais físicos objetivos e subjetivos e atividade exagerada do sistema nervoso. A dor crónica, em contraste, continua além de um periodo de seis meses, com o sistema nervoso se adaptando a ela. Nos pacientes com dor crónica, nem sempre existem sinais objetivos, mesmo quando eles apresentam mudancas visiveis em sua personalidade, estilo de vida e habilidade funcional. Este tipo de dor exige uma abordagem que contemple nao somente o tratamento de suas causas, mas também de suas conseqúéncias psicológicas e sociais. Existem pelo menos mais duas definicoes de dor que vale a pena lembrar. Em 1979, a Associacao Intemacional de Estudo da Dor assim a definiu: “uma experiência emocional e sensorial desagradável associada com dano potencial ou atual de tecidos, descrita em termos de tais danos”. Saunders, a fundadora do modemo hospice, tomando essa descricao como base, cunhou a expressao ‘dor total’, que inclui além da dor física a dor mental, social e espiritual. Falhar em considerar essa apreciacao mais abrangente de dor é uma das principais causas pelas quais os pacientes nao recebem alivio adequado dos sintomas dolorosos. Por vezes, existe um momento na doenca crítica, em que o sentimento de desesperanca e a impoténcia se tomam mais inroleráveis que a própria dor. Nesse ponto, a 'diferenca entre dor e sofrimento' toma-se evidente. Nem sempre quem está sentindo dor está sofrendo. O sofrimento é uma questao subjetiva e está mais ligado aos valores da pessoa. Por exemplo, duas pessoas podem ter a mesma condicao física, mas somente uma delas pode estar sofrendo com isso. A palavra dor deve ser usada para a percepcao de um estímulo doloroso na periferia ou no sistema nervoso central associada a uma resposta efetiva. Nem toda dor leva ao sofrimento (a dor de um atleta vencedor de uma maratona leva ao prazer), e nem todo sofrimento requer a presenca de dor física (a angústia de saber que um ente querido tem mal de Alzheimer, por exemplo). Callahan (1988, p. 177) definiu sofrimento como sendo a experiéncia de impotência com o prospecto de dor nao aliviada, situacao de doenca que leva a interpretar a vida vazia de sentido. Portanto, o sofrimento é mais global que a dor e, fundamentalmente, sinónimo de qualidade de vida diminuida5, situacoes tais como doencas sérias e prolongadas que causam rupturas sociais na vida do paciente, juntamente com a crise familiar, preocupacoes financeiras, premonicoes de morte e preocupacoes que surgem da manifestacao de novos sintomas e seus possiveis significados. A dor pode ser definida como uma perturbacao, sensacao no corpo como já foi dao. O sofrimento, por outro lado, é um conceito mais abrangente e complexo. Pode ser definido, no caso de doenca, como um sentimento de angústia, vulnerabilidade, perda de controle e ameaca á integridade do eu. Pode existir dor sem sofrimento e sofrimento sem dor. Em cada caso, somente nós podemos senti-lo, bem como aliviá-lo. Certamente, algum nivel de dor e sofrimento pode ser tolerado, e seria na verdade utópico dizer que o alivio de toda dor e de todo sofrimento seria um objetivo apropriado para o sistema de saúde. A vulnerabilidade provocada pela doenca exige uma resposta, chamada “cuidado” (CALLAHAN, 1990, p. 143). Um dos principais perigos em negligenciar a distincao entre dor e sofrimento no contexto clínico é a tendéncia dos tratamentos se concentrarem somente nos sintomas físicos, como se somente fossem a única fonte de angústias para o paciente. Isso resulta freqúentemente na situacao de pacientes que estao fisicamente mais confortáveis por causa da terapia da dor, mas cujo sofrimento continua presente. A distincao entre dor e sofrimento tem um significado todo particular e urgente quando se trata de cuidar da dor dos pacientes terminais. Diante da impoténcia que define o sofrimento, Callahan (1988, p. 178) acredita que "a medicina que somente procuraprolongar a vida, estendendo, mas nao aliviando o sofrimento chegou no fim de seus recursos e objetivos". Nao distinguir dor e sofrimento, permite nos continuar agressivamente com tratamentos médicos fúteis, na crenca de que, enquanto o tratamento protege os pacientes da dor fisica, ele protege de todos os outros aspectos também. Em outras palavras, a distincao nos obriga a perceber que a disponibilidade de tratamento da dor em si nao justifica a continuacao de cuidados médicos fúteis. A continuacao de tais cuidados pode simplesmente impor mais sofrimentos para o paciente terminal. Ouvimos com frequência confidéncias de pacientes terminais que nao tém tanto medo de morrer, mas temem o sofrimento relacionado com o processo do morrer. Isso ocorre especialmente quando esta experiéncia é marcada pela dependéncia mutilante, a dor e o sofrimento nao cuidados, que tao freqúentemente acompanham a doenca terminal, ameacando a integridade pessoal e a perspectiva para ela de um futuro. Um dos primeiros objetivos da medicina ao cuidar dos que morrem deveria ser o aliviar a dor e o sofrimento causados pela doenca. Embora a dor física seja a fonte mais comum de sofrimento, a dor no processo do morrer vai além do físico, rendo conotacoes culturais, subjetivas, sociais, psíquicas e éticas. Portanto, lidar efetivamente com a dor em todas as suas formas é algo crítico e de suma importáncia para um cuidado digno dos que estao morrendo. Podemos dizer que a dor é fisiológica, enquanto o sofremento é psicológico. O sofrimento é muiro mais vasto, mais global, isto é, existencial. Ele inclui as dimensoes psíquicas, psicológicas, sociais e espirituais. A dor é uma experiéncia somato-psíquica. A dor e o sofrimento se reforcam mutuamente: uma dor muito forte e persistente pode influir em todas as dimensñes do sofrimento, e inversamente, a ansiedade, a depressao, a solidao ou o sentimento do nao-sentido da vida podem acentuar a dor (LEUTHANASIE., 1993, p. 222). Passemos a algumas consideracoes a respeito das dimensoes do sofrimento. A contribuicao da medicina psicossomática e a entrada da psicologia no contexto da saúde, notadamente no ámbito hospitalar (UTIs e emergéncias), inicialmente, foi de extrema importáncia nesses últimos anos para resgatar o ser humano para além de sua dimensao físico-biológica e situá-lo num contexto maior de sentido e significado, nas suas dimensoes psíquica, social e espiritual (VOLICH, 2000). A dimensao física é a facilmente observada quando presente. Surge de um ferimento, de uma doenca ou da deterioracao progressiva do corpo, no idoso e no doente terminal, impedindo o funcionamento físico e o relacionamento com os outros. No nivel físico, a dor funciona como um alarme que algo está errado no funcionamento do corpo. Mas, como a dor física afeta a pessoa na sua globalidade de ser, ela pode facilmente ir além de sua funcao como um sinaí de alarme. A dor severa pode levar a pessoa por vezes a pedir a própria morte. A dimensao psíquica é a do sofrimento que pode ter múltiplos fatores causais num capítulo de alta complexidade na área da saúde mental. Entre inúmeras situacoes críticas que podem desencadear sofrimento psíquico, lembramos o enfrentamento da própria morte. Brotam sentimentos caracterizados por mudanca de humor, sentimento de perda do controle sobre o processo de morrer, perda de esperancas e sonhos ou necessidade de redefinir-se perante o mundo. A dimensao social é a do sofrimento marcada pelo isolamento, criado justamente pela dificuldade de comunicacao sentida no processo do morrer. A presenca solidária é fundamental. A perda do papel social familiar é também muito cruel. Por exemplo, um pai doente toma-se dependente dos flíhos e aceita ser cuidado por eles. A dimensao espiritual surge da perda de significado, sentido e esperanca. Apesar da aparente indiferenca da sociedade em relacao ao ‘mundo além deste’, a dor espiritual está aí. É quando o doente confidencia ao seu conselheiro espiritual: “dói a alma”. Necessitamos de um sentido e de uma razao para viver e para morrer. Em recentes pesquisas nos Estados Unidos, ficou evidenciado que o aconselhamento em quest5es espirituais situa-se entre as trés necessidades mais solicitadas pelos que estao morrendo e por seus familiares6. Estas dimensoes do sofrimenro inter-relacionam-se e nem sempre é fácil distinguir uma da outra. Se os esforcos para lidar com a dor enfocam somente um aspecto e negligenciam os outros, o paciente nao experimentará alivio da dor e sofrerá mais. A dor nao aliviada pode causar nao somente depressao, mas até levar a pessoa a pedir para morrer. Como diz a Declaracao sobre a Eutanásia da Sagrada Congregacao da Fé (5 de maio de 1980): A dor fisica é certamente um elemento inevitável da condicao humana; no piano biológico, é como que adverténcia de utilidade incontestável mas, repercutindo também na vida psicológica do homem, muitas vezas toma-se desproporcionada a sua utilidade biológica, e pode assumir dimenso'es tais que gerem o desrio de eliminar a própria vida custe o que custar. A, suplicas dos doentes muito graves que, por vezas, pedem a morte nao devem ser compreendidas como expressao de uma verdadeira vontade de eutanásia; nestes casos slo quase sempre pedidos angustiados para aliviar a dor, por um cuidado médico melhop; por amor (DECLARAGÁO., p. 173-4). Nesta mesma direcao, uma forca-tarefa (task force) do estado de Nova York sobre a Vida e a Lei elaborou em 1994 um documento intitulado Quando a morte é procurada: suicidio assistido e eutanásia no contexto médico e retomou e atualizou a questao num Suplemento, em 1997, cuja conclusao vale a pena registrar ipsis literis: O grande interesse publico sobre o suicidio medicamente assistido representa um sintoma de umproblema muito maior: nossa falha coletiva em responder adequada mente ao sofrimento que os pacientes frequentemente experimentam no final da vida. Aperfeicoar os cuidados paliativos, e responderás necessidades psíquicas, espirituais e sociais dos pacientes que estao morrendo deve ser uma prioridade nacional crítica. Se o suicidio assistido será finalmente legalizado ou nao, esperamos que todos os que estao envolvidos no debate sobre a legalizacao unirao as forcas para ajudar a atingir este importante objetivo (THE NEW YORK STATET., 1997, p. 12). Vale relembrar novamente a Dra. Saunders, fundadora do modemo hospice quando afirma: "o sofrimento somente é intolerável quando ninguém cuida" (SAUNDERS, 1980, p. 4; 1988, p. 167-178). É na filosofia do hospice, viabilizacao da medicina paliativa, que vemos a integralidade do ser humano no cuidado da dor e do sofrimento7. O CUIDADO DA DOR E DO SOFRIMENTO A dor física é geralmente a mais fácil de se controlar. Embora os textos médicos descrevem abordagens farmacológicas e nao-farmacológicas para controlar a dor, existe muita dor física que nao é aliviada. Peritos estimam que 75% dos pacientes com dor sao tratados inadequadamente, e que de 60 a 90% dos que estao na fase terminal sentem dor de severa a moderada, suficiente para prejudicar as funcoes fisicas, o humor e a interacao social. Quase 25% dos pacientes de cáncer morrem com dor severa e nao aliviada8. Na perspectiva do paciente, a dor pode aumentar a partir medo, isolamento, insónia ou depressao. As respostas dos pacientc para os tratamentos de dor também podem variar. Um dos grandes problemas que os pacientes tém é encontrar uma linguagem adequado para expressar sua dor, de forma que ela possa ser identificada e cuidada. Muitos pacientes relutam em falar da dor, porque sentem que os outros os julgariam como fracos e que só sabem reclamar. Outro problema em cuidar da dor dos doentes é que alguns nao cooperam com o programa terapéutico, talvez para evitar efeitos colaterais do tratamento que impediriam de resolver questóes pendentes, ou simplesmente como uma forma para garantir algum controle diante da perda da autodeterminacao. Outros ainda negam a dor para manter o sentimento de que estao ainda no controle, apesar de evidéncias contrárias. Outros ainda usam sua dor para se proteger de mais questóes dificeis. Outros, numa perspectiva de fé, abracam a dor, acreditando que tem um valor redentor que podem oferecer a Deus9. Os médicos também falham em aliviar a dor dos pacientes. Alguns ignoram a natureza da dor. Outros nao diagnosticam acuradamente a origem da dor, ou falham em avahar o paciente em intervalos regulares para detectar novos processos causadores de dor que exigem novas terapias. Alguns simplesmente nao acreditam na descricao da dor do paciente. Outros ainda nao tentam altemativas para a terapia medicamentosa, tais como estimulacao elétrica dos nervos, massagem ou terapias orientais, como a acupuntura Os que usam terapias medicamentosas sao demais tímidos em prescrever narcóticos, pelas seguintes razóes: ignoráncia básica da magnitude de doses necessárias para combater a dor aguda; medo exagerado de causar uma parada respiratória; ansiedade em relacao ao perigo de adiccao; medo irracional de ser processado civil ou criminalmente; estimativa exagerada dos efeitos colaterais de alguns analgésicos, tais como adiccao potencial. Recentes estatísticas estimam que mais de 90% da dor pode ser aliviada, e geralmente por meio de drogas. O desafio para os médicos é identificar acuradamente a necessidade de cuidar da dor e usar as técnicas para controle. Na verdade, há muito a ser efeito nesta área do controle, administracao e alivio da dor. O sofrimento sentido na fase terminal da doenca é muito mais que físico. Ele afeta nao somente o conceito de si próprio, mas também o senso global de sentir-se conectado com os outros e com o mundo. Este sofrimento psicossocioespiritual pode ser sentido como uma ameaca para o paciente cm relacao ao sentido de vida, perda de controle, enfraquecimento da relacao com os outros, uma vez que o processo do morrer intensifica o isolamento e interrompe as formas ordinárias de contato com os outros. Os pacientes em estado terminal freqüentemente tém sentimentos de impoténcia, desesperanca e isolamento. Um plano adequado para lidar com este sofrimento psicossocioespiritual deve enfrentar Talvez o remédio mais eficaz em termos de cura seja a qualidade do relacionamento mantido entre o paciente e seus cuidadores, e entre o paciente e sua familia. A qualidade curadora da reiapoo terapéutica pode facilmente ser enfraquecida ou ameapoda quando reapoes emocionais (negarlo, raiva, culpa e medo) sentidas pelos pacientes, familias ou cuidadores nao sao adequadamente trabalhadas. É claro que está no coracao da relacao terapéutica entre paciente e cuidadores o cuidado das necessidades de relacao e sentido, bem como de uma comunicacao honesta e verdadeira (CARE., 1993, p. 28-39). Em suma, um cuidado adequado dos que estao morrendo no contexto clínico procura respeitar a integridade do doente como pessoa. Procurará garantir que o paciente: será mantido livre da dor tanto quanto posslvel, de forma que o momento final seja marcado pela dignidade; receberá cuidados continuados e nao será abandonado ou perderá sua identidade pessoal; terá tanto controle quando posslvel cm relacao a deasoes relacionadas com seu tratamento e terá permissao de recusar as intervencoesterapétuticas que prolongam somente o processo do morrer; será ouvido como pessoa nos seus medos, pensamentos, sentimentos, valores e nas suas esperancas; terá a opcao de morrer onde desejar. A forca-tarefa do Estado de Nova York sobre a vida e a lei conclui o seu relatório sobre Quando a morte é buscada: o suicidio assistido e cutanásia no contexto médico (1994) com as seguintes palavras: O cuidado efetivo da dor exige um programa compreensivel, como é exemplificado na filosofia dos cuidados de hospice. Os profissionais da saude tém o dever de oferecer efetivo alivio da dor e paliapoo para os sin tomas dos pacientes quando necessário, de acordo com umjulgamento médico apropriado e as abordagens mais avan podas disponiveis. O alivio da dore dos sin tomas da doenpo é uma contribuipo-o poderosa para a qualidade de vida do paciente. Ele pode também apressar a recuperacao prover outros beneficios médicos. Os médicos e as enfermeiras tém uma responsabilidade ética eprofissionalpara ofrrecer um cuidado efrtivo da dore dos seus síntomas. Esta responsabilidade deve ser entendida como central na arte da medicina e dos cuidados médicos. O cuidado dos sintomas dolorosos sentidos pelo paciente nao deve se restringir ao final da vida, nem deve ser um sinaí de que os esforcos curativos foram abandonados. Os cuidados paliativos devem ser compreen-. didos para incluir o controle dos sin tomas em todos os estágios da doenca (THE NEW YORK STATET, 1994, p.158). Vale a pena lembrar um dos principais lemas da medicina: Sedare dolorem opus divinum est, que traduzido para o portugués significa: Aliviar a dor é uma obra diyina. Nessa missao de aliviar a dor, quer como profissionais ou simplesmente como seres humanos, vale a pena lembrar o livro da Biblia, chamado Livro de Jó, considerado um dos clássicos da literatura universal. Seu personagem Jó sofre uma série de perdas, entre outras a saúde, os bens matenais e a própria familia. Em mejo a tantas perdas ele ousa perguntar: "Por que Deus faz isto comigo?" Na visao do rabino Harold Kushner, as palavras de Jó nem de longe contém uma indagacao de ordem teológica, elas sao um grito de dor. [.] O que Jó quena de seus amigos - o que ele estava de fato peditido com a pergunta "Por que Deus faz isto comigo?". Nao era teologia, mas empatia. Nao desejava que lhe explicassem Deus, tampouco estava querendo mostrar-lhes que sua teologia era falha. Ele quena somente dizer-lhes que era realmente um ser bom e que as coisas que estavam acontecendo eram terrivelmente trágicas e injustas. Mas seus amigos empenharam-se tanto em ser advogados de Deus que quase simplesmente esqueceram de Jó, a nao ser para observar em forma de acusacao e julgamento, que ele devia ter feito alguma coisa de muito ruim para merecer aquele destino nas mitos de um Deus justo. Sob o impacto de tantas perdas causadoras de sofrimento, J ó tentava desesperadamente manter sua auto-estima, a certeza de que era um homem bom e digno. A última coisa que ele desejava ouvir era que nao vinha agindo bem (KUSHNER, 1983, p. 88-91). Para além da explicacao cientificamente perfeita e do arrazoado teológico, a solidariedade marcada pela competéncia técnica científica e a competéncia humana é a chave do cuidado e sentido do 'mistério' do sofrimento humano. CONCLUSAO Em suma, a questao da humanizacao do cuidado da saúde, da dor e do sofrimento humanos, numa perspectiva ética filosóficoteológica para além da dimensao 'mistérica' portadora de dificeis interrogacoes existenciais nao raramente sem respostas ao porqué, sempre exige um cuidado que alie competéncia tecnico-cientlfica e humanismo. Um dos objetivos fundamentais da medicina desde os tempos hipocráticos é justamente minorar o sofrimento humano causado pelas doencas. Com o fantástico progresso da medicina high tech, chegou-se á ilusao de pensar que a gestao técnica da dor seria a solucao, mas, para além de serem um problema de ordem técnica, a dor e o sofrimento situam-se na esfera ética, e devem ser considerados nas suas várias interfaces, de ordem física, psíquica, social e espiritual. O desenvolvimento e a implementacao da filosofia dos cuidados paliativos, que se constitui num clamor unánime de todas as partes envolvidas nesta discussao, é um grande lance de esperanca para um cuidado digno das pessoas que tém dor e sofrimento atrozes causados por doencas. A dor e o sofrimento humanos foram vistos no nivel fenomenológico como sintomas dolorosos, que exigem uma intervencao urgente e por vezes emergente de cuidados médicos e de toda a equipe de saúde. Nao foi objetivo nosso trabalhar a teologia ou antropologia do sofrimento humano'1, que é uma chave preciosa para alcancar um horizonte de sentido numa perspectiva de ética. Lembramos ao finalizar esta reflexao uma preciosa afirmacao antropológica da exortacao apostólica Salvifici Doloris, ao afirmar que “o sofrimento humano suscita compaixao, inspira também respeito e, a seu modo, intimida. Nele, efetivamente, está contida a grandeza de um mistério específico” (JOÁO PAULO II, 1995, p. 7). Reflitamos conclusivamente sobre o sentido dessa afirmacao. O sofrimento compaixao, isto é, empatia traduzida em acao solidária e nao somente uma exclamacao anestesiadora de consciéncia: “que pena, que dó”. A indiferenca simplesmente é um fator desumanizante que aumenta mais a dor e o sofrimento. O sofrimento suscita respeito também. Em quem muito sofre acabamos criando uma auréola de sacralidade. Uma crianca que nasce com serilssimos problemas genéticos, por exemplo, os que a cuidam nao se intimidam em dizer e um(a) santinho(a)". O sofrimento igualmente nos infunde temor, medo, porque nos vemos como que num espelho nossa fragilidade, vulnerabilidade e mortalidade, dimensoes de nossa existéncia humana que nem sempre gostamos de ver lembradas. É procurando traduzir em gestos concretos o valor da pessoa humana em termos de autocuidado que estaremos melhor preparados para cuidar da vida, com humanismo e competéncia técnico-científica. Quem cuida do cuidador? Considerar a pessoa nao simplesmente como um corpo, nao reduzindo-a á biologia pura e simplesmente éum grande desafio. Uma visao holística, multi, inter e transdiciplinar, é imperiosa. O ser humano é um todo uno, um nó de relacoes. Ser gente é possuir corpo, é ter um psiquismo e coracao, é conviver com os outros, cultivar uma esperanca e crescer na perspectiva de fé em valores humanos. É zelando, promovendo e cuidando desta unidade vulnerável pela dor e pelo sofrimento que estaremos sendo instrumentos propiciadores de vida digna. Quem cuida e se deixa tocar
pelo sofrimento humano do outro, toma-se um radar de alta sensibilidade, humaniza-se no
processo e para além do conhecimento científico, tem a preciosa chance e o privilégio de
crescer em sabedoria. Esta sabedoria nos coloca na rota da valorizacao e descoberta de que a
vida nao é um bem a ser privatizado, muito menos um problema a ser resolvido nos circuitos
digitais e eletrónicos da informática, mas um bem fundamental, um 'mistério' e dom, a ser
vivido prazeirosamente e partilhado solidariamente com os outros.
Notas
1 Cf. o relatório que fundamenta a necessidade de existencia deste programa govemamental do Ministério da Saúde cm O Mundo ás Saude, p 55-62, jan.lfev. 1988. 2 Cf. Carvalho (1999). Trata-se de uma obra de referCncia na área do cuidado da dor/sofrimento na área da saúde. Prima por contribuicoes de cunho mutidisciplinar, com a participacán de inúmeros profissionais do campo da saúde e da área das ciências humanas. Destacamos especialmente as seguintes contribuicóes: Fundamentos teóricos da dor e de sua avahado (PIMENTA, 2002, p. 31-46); fisiopatologia da dor (TEIXEIRA, p. 47-76); tratamento multidisciplinar do doente com dor (TEIXEIRA; FIGUEIRÓ et al., p. 87- 139); aspectos psicológicos e psiquiátricos da experiencia dolorosa (FIGUEIRÓ, 2000, p. 140-158); avaliacáo e manejo da dor cronica (MURTA, p. 174-198); pacientes cm estágio avancado da doenca, a dor da perda e da morte (KOVÁCS, p. 318-337). 3 Cf Pessini, ver especialmente a primeira parte, contexto sociohistórico-cultural cm que se situa a 4 Ver os estudos de Eric; Cassel (1988) e Cassel (1991). Os principais artigos sobre a questao do softimento Cassel (1991) reuniu no livro The nature of suffering and tbe goals of medicine. 3 Para um aprofundamento sobre o tema do sofrimento na perspectiva antropológica, ver os trabalhos de Lepagneur (1985): o despertar dos doentes. 6 Cf André. Ver também neste mesmo Dicionário os verbetes dos seguintes autores: Giovanni. Sofrimento: abordagem bíblica (AT) p. 1234-1241; Maggioni. O sofrimento: abordagem b£blica (NT), p. 1241-1245; Cml. Sofrimento: abordagem teológica, p. 1245-1262. Lepargocur. Sofrimento vivenciado fora da área cristá, p. 1291-1294. 7 Cf. Revista Time. 12 set. 1988. Ver a reportagem sobre o que significa morrer com dignidade na 9Cf Care of the Dying: a catholic perspcctiye (1993, p. 29). Ver também o importante documento da Organizado Mundial da Saúde traduzido cm portugues pelo Ministírio da Satidel Instituto Nacional do Cancer (Inca). O alivio da dar do cáncer, 2 ed.,1997. 9 Cf. Join Paulo II 1984. Longe dos tempos do dolorismo, o tema da Carta Apostólica é o sentido salvifico do sofrimento, mas O paradigma é o Bom Samaritano (Lc 10, 29-32). Tratase de um sofrimento ativo e nio passivo, um sofrimento pela causa do Reino, que procura aliviar o sofrimento dos nutros. O fardo do sofrimento redentor í deslacado dos doentes para aqueles que os cuidam, isto é, os profissionais da saúde. 10 Nota-se na realidade brasileira, com base cm producoes científicas, que a questilo do cuidado desde a vida cm geral, do ámbito ecológico atí especificamente o cuidar da vida humana na área da saúde, dos mais vulncráveis, comeca a ganhar uma certa visibilidade na produeso científica. Entre nutras publicacóes remos: Boff (2000), Pessini, O cuidado em saude (p. 235-36); Quciróz (p. 237-45). Cuidando do idoso: uma abordagem social (p. 246-48); Silva. O cuidar do paciente terminal questoes incas (p. 272-77); Silva; Gimenes. En: o cuidador (p. 306-09). Ver também cm espanhol a Revista Labor Hospitalaria dos Irmílos de Sa-o Job de Deus. Ineludiblemente Humano: hacia una fundamentación le la inca del cuidar, de Roselló (1999). 11 Para um aprofundamento desse assunto na perspetiva da antropologia filosófica , ver especialmente a obra de Lepargneur (1985).  ANDRÉ, B. C. 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In the context of the growing technologizing ofhealth cate, the restoration of an anthropological holistic vision of the human being in all its dífferent oimensions – physical, social, psychic, emotional and spiritual- is urgent. Key words: bioethics, humanizing health cate, ethicalformation of health professionals.

Source: http://www.labimuno.org.br/aulas/bioetica/ArtigoBIOET004-LeoPessini.pdf

El genoma del cáncer de mama

Con formato: Fuente: Cursiva El Genoma del Cáncer de Mama Alfredo Hidalgo Miranda1, Gerardo Jiménez Sánchez1, Sergio Rodríguez Cuevas2, Sandra Romero Córdoba1, Rosa Rebollar Vega1, Laura Uribe Figueroa1 1: Instituto Nacional de Medicina Genómica, México 2: Fundación Mexicana de Fomento Educativo para la Prevención y Detección Oportuna del Cáncer de Mama, A. C. (FUCAM) Ins

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